Dossiê Eros e Afrodite no Romance Antigo
As cenas de reconhecimento no romance Dáfnis e Cloé
Recognition scenes in Daphnis and Chloe novel
As cenas de reconhecimento no romance Dáfnis e Cloé
Classica - Revista Brasileira de Estudos Clássicos, vol. 35, núm. 2, pp. 1-27, 2022
Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos
Recepción: 26 Abril 2022
Aprobación: 04 Julio 2022
Resumo: Cenas de reconhecimento estão presentes na épica, no drama (tragédia e comédia) e, como não podia deixar de ser, no romance antigo, que “devorou” o recurso e fez largo uso dele: temos cenas de reconhecimento nos cinco romances idealizados que nos chegaram (os chamados Big Five). Neste artigo, analisamos as duas cenas de reconhecimento em Dáfnis e Cloé, tomando por base os apontamentos da Poética de Aristóteles e demonstrando como os reconhecimentos se articulam a diferentes elementos narrativos. Por isso, focalizamos também os usos da peripécia, do páthos e da hamartía, que na obra trabalham em relação aos reconhecimentos e conferem complexidade à questão das identidades dos protagonistas dentro desta narrativa.
Palavras-chave: Dáfnise Cloé, romance antigo, reconhecimento, peripécia.
Abstract: Greek epic, tragedy, and comedy all contain several recognition scenes, as do ancient novels, which “devoured” this formal resource, generously incorporating it into their works: the five remaining novels, labeled “The Big Five,” all contain numerous recognition scenes. Using Aristotle’s Poetics, this essay analyses two of these events from Daphnis and Chloe, demonstrating how the anagnorisis is interrelated to several narrative characteristics. Thus, the concepts of peripeteia, pathos, and hamartia are also quite valuable when it comes to the relationships of recognition that lend complexity to the identities of the narrative’s characters.
Keywords: Daphnis and Chloe, ancient novel, recognition scenes, reversal of the actions.
Introdução
“[...] la acción en Longo reviste la forma de un plan con una secuencia rigurosa de causa a efecto, con Eros como motor providencial.” (Sanches e Güemes, citando Chalk, em Longo, Dafnis y Cloe, 1997, nota 21)
“[...] é muito diferente uma coisa acontecer por causa de outra ou depois de outra.” (Aristóteles, Poética, 1452a20, 2007, p. 57)
O romance Dáfnis e Cloé pode ser considerado um best-seller dentro de seu grupo.1 De fato, sua repercussão foi imensa, desde a publicação da tradução de Amiot em 1559, na França, fato que antecedeu, curiosamente, a editio princeps da obra, ocorrida apenas algumas décadas mais tarde, em 1598, como informa Vieillefond (Longus, 2010, p. XXIII). A partir daí, a influência de Dáfnis e Cloé é atestada em diferentes setores das artes: literatura, pintura, música, entre outros. E se o romance é, de fato, um gênero outsider dentro do cânone literário antigo (Pinheiro, 2005, p. 14), dentro do seu grupo de “romances idealizados” (Pinheiro, 2005, p. 16) ou da “vertente amorosa (ideal love novel)”, como expressa Duarte (Cáriton, 2020, p. 183), o romance de Longo também representa uma bela exceção: em lugar da vida urbana, o campo; em lugar das viagens, a permanência em uma só localidade; em lugar da elite, os pobres. Em Dáfnis e Cloé, as aventuras dão lugar ao deslocamento espiritual, sentimental, pois os protagonistas “viajam através do estranho terreno da alma e experimentam o que está reservado para dois jovens que descobrem, passo a passo, o amor físico” (Holzberg, 2005, p. 71),2 desde seu inocente desabrochar até sua consumação em leitos legítimos.
O romance enquanto gênero literário surge, na literatura antiga, como um produto tardio, dependente dos gêneros literários anteriores, dos quais derivou suas características. Da historiografia, aproveitou a prosa; da épica, as viagens, ocasionalmente a guerra; da tragédia, o páthos, a hamartía; da comédia nova, personagens, peripécias e reconhecimentos; da poesia helenística, o tema erótico. Somem-se a estas fontes outras tantas de que o gênero se apoderou, já que é gramatofágico (Brandão, 2005, p. 173), sincrético (Pena em Aquiles Tácio, 2005, p. XXV), multiforme (Pinheiro, 2005, p. 26), enciclopédico (Fusillo apud Brandão, 2005, p. 216), um verdadeiro “amálgama de todos os gêneros literários” (Pinheiro em Xenofonte de Éfeso, 2000, p. XXX), qualidades que o convertem em um “gênero que bate todos os recordes em termos de longevidade, de vitalidade e de versatilidade”, como afirma Pinheiro (Cáriton, 1996, p. VIII).
Nos romances idealizados, as cenas de reconhecimento constituem como que uma tópica e poderiam muito bem ser alinhadas ao rol de tópoi que Pinheiro (2005, p. 22) identifica no gênero, entre eles, os raptos, os naufrágios, as tentativas de suicídio, o final feliz. Para o estudo das cenas de reconhecimento em Dáfnis e Cloé, além da Poética (2007) de Aristóteles, tomamos por base o estudo de Silvia Montiglio no livro Love and Providence. Recognitions in Ancient Novel (2013), em que a autora analisa todos os romances de amor idealizado, entre outros, levando em conta os preceitos da Poética. Outra obra de referência será para nós a de Adriane da Silva Duarte intitulada As cenas de reconhecimento na poesia grega (2012), em que a estudiosa, além de esmiuçar o conceito de reconhecimento em Aristóteles, percorre todas as cenas de anagnórisis na poesia grega, isto é, todas as cenas da épica, da tragédia e da comédia.
Nos romances de amor idealizado, as cenas de reconhecimento normalmente focalizam a anagnórisis entre os amados, ou seja, “quem reconhece e quem é reconhecido são quase sempre os amantes” (Montiglio, 2013, p. 13)3 que, separados por algum obstáculo, voltam finalmente a se reencontrar. Já em Longo encontramos uma exceção: em Dáfnis e Cloé, as cenas envolvem o reconhecimento entre pais e filhos ou, melhor dizendo, o reconhecimento dos filhos pelos pais verdadeiros, o que aproxima esta narrativa, no uso que faz do recurso, mais da comédia nova (de onde aliás migram esta e outras soluções literárias) do que da tragédia, da épica e dos próprios romances idealizados.
Os reconhecimentos desempenham papel fundamental dentro do enredo de Dáfnis e Cloé, pois não operam sozinhos: eles se articulam a outros recursos, agravando com eles o nó narrativo. Na verdade, o reconhecimento dos protagonistas é o verdadeiro nó narrativo, a ação que, se não for “desatada”, não permite a união dos protagonistas dentro da legitimidade do matrimônio. Sem os reconhecimentos, a “lenda” que “Eros quer compor” (Ἔρως μῦθον ποιῆσαι θέλει, 2.27.2) sobre Cloé não pode alcançar seu objetivo, como veremos.
Aristóteles e o reconhecimento
Na Poética, a definição de reconhecimento (anagnórisis) tem grande destaque, pois Aristóteles dedica o capítulo XVI exclusivamente ao assunto, além de se referir ao conceito em outras partes da obra (especialmente no capítulo XI, mas também no VI e X). O fato de dedicar atenção ao conceito de modo tão pormenorizado levou alguns estudiosos à suspeita de interpolação da passagem, já que o estagirita costuma enunciar, de preferência, “princípios gerais da teoria poética e não a diversidade de aspectos que assumem na prática”, fato que torna “no mínimo curioso que o filósofo tenha aberto essa exceção” (Duarte, 2012, p. 30). Contudo, mesmo que pese a dúvida, “a autoridade do texto e sua imensa influência no decorrer do tempo em nada será afetada”, além do que, na linha de Cave, a discussão detalhada do recurso “revela antes a importância do conceito para a poética antiga, o que, de certa forma, confirma-se na obra dos poetas gregos, base da reflexão aristotélica” (Duarte, 2012, p. 31; p. 30).
Dito isso, afirmemos que o reconhecimento (anagnórisis) é uma das partes integrantes, mas não obrigatória, de um enredo complexo, ao lado da peripécia (peripéteia) e do sofrimento (páthos). No capítulo XI da Poética, discutindo tragédia, os conceitos são assim definidos por Aristóteles (1452a20-30, 2007, p. 57):
Peripécia (περιπέτεια) é, como foi dito, a mudança (μεταβολή) dos acontecimentos (τῶν πραττομένων) para o seu reverso (εἰς τὸ ἐναντίον), mas isto, como costumamos dizer, de acordo com o princípio da verossimilhança (τὸ εἰκός) e da necessidade (ἀναγκαῖον) [...].
Reconhecimento (ἀναγνώρισις), como o nome indica, é a passagem (μεταβολή) da ignorância (ἐξ ἀγνοίας) para o conhecimento (εἰς γνῶσιν), para a amizade (εἰς φιλίαν) ou para o ódio (εἰς ἔχθραν) entre aqueles que estão destinados à felicidade (πρὸς εὐτυχίαν) ou à infelicidade (δυστυχίαν).4
Peripécia e reconhecimento representam, no enredo, uma mudança (ambos são chamados de metabolé por Aristóteles):5 no primeiro caso, as ações assumem a direção contrária ao que se esperava; no segundo, é a identidade de um personagem e, consequentemente, as suas relações com outros personagens que se veem subvertidas, o que fatalmente interfere no andamento do enredo. Em se tratando de tragédia, por exemplo, o fato de os espectadores saberem mais do que os personagens sobre as ações (por conhecerem previamente o mito) revela uma discrepância de conhecimento entre eles, o que faz pensar que a peripécia, isto é, o redirecionamento da ação deva ser pensado mais em relação aos personagens do que ao público. Contudo, ambos serão contemplados se considerarmos que a peripécia afeta sim os personagens, mas que, por um processo de “empatia imaginativa” (na expressão de Halliwell apud Duarte, 2012, p. 41), ela afeta igualmente o público, mesmo que ele já conheça o enredo. A mesma questão deve ser pensada em relação ao reconhecimento de personagens nos casos em que as identidades já são igualmente conhecidas pelo público: os espectadores não partem da ignorância, mas podem vivenciar, por empatia, a expectativa e os resultados do reconhecimento. Já se o enredo for inteiramente original – como acontece nos romances idealizados –, tal questão não se coloca, pois ambos, público e personagens, estarão imersos na mesma ignorância e sujeitos à mesma surpresa, ainda que o romance mobilize padrões facilmente percebidos.
É preciso enfatizar que o reconhecimento na Poética é pensado em relação a pessoas,6 como afirma o filósofo: “uma vez que o reconhecimento se dá entre pessoas, às vezes é só uma pessoa que é reconhecida por outra, se esta já é conhecida pela primeira, mas poderá ser necessário haver um reconhecimento de parte a parte” (Aristóteles, 1452b1-5, 2007, p. 58). Assim, envolvendo pessoas ou, mais propriamente, personagens, pode ser que apenas um precise reconhecer o outro ou que ambos se reconheçam mutuamente. É necessário estabelecer que a questão do reconhecimento incide, fundamentalmente, sobre o vínculo de parentesco entre os personagens (Duarte, 2012, p. 42), como os reconhecimentos que envolvem pais e filhos (como no Íon de Eurípides, mas também em Dáfnis e Cloé), irmãos (como nas Coéforas de Ésquilo ou na Ifigênia em Táuris de Eurípides) e mesmo entre esposos (como Penélope e Odisseu, na Odisseia, ou Helena e Menelau na Helena de Eurípides, mas também Quéreas e Calírroe no romance de Cáriton, por exemplo). Destaquemos ainda que, nas palavras do filósofo, o “reconhecimento mais belo é aquele que se opera juntamente com a peripécia” (Aristóteles, 1452a30-35, 2007, p. 57). Quanto ao páthos ou “sofrimento”, terceira parte do enredo complexo, ele se apresenta como “um ato destruidor ou doloroso, tal como as mortes em cena, grandes dores e ferimentos e coisas deste gênero” (Aristóteles, 1452b10-15, 2007, p. 59), o que ocorre, quase sempre, como uma consequência da peripécia ou do reconhecimento ou dos dois combinados.
A peripécia e o reconhecimento acarretam, portanto, uma mudança no enredo seja porque, no caso da peripécia, as ações se voltam ao contrário da expectativa de personagens (e de público), sem abandonar, contudo, o princípio da verossimilhança e da necessidade, seja porque, no caso do reconhecimento, a ação de reconhecer realinha o enredo em função da (nova) identidade de um personagem, ao revelar seus vínculos com outrem, produzindo entre eles amizade ou inimizade, felicidade ou infelicidade. O exemplo evocado por Aristóteles para demonstrar a ocorrência combinada de peripécia e reconhecimento é a tragédia Édipo Rei: a ação de reconhecer a própria identidade, ou melhor, “a existência do vínculo que liga dois personagens” (Duarte, 2012, p. 42), no caso Édipo e Jocasta, sua mãe e esposa, precipita, em uma peripécia, o filho de Laio das alturas régias ao rés-do-chão. A descoberta de seu parentesco com a casa real é a derrocada do rei. Quanto ao páthos, ele se manifesta claramente em Édipo no suicídio da rainha e no ato do rei de furar seus próprios olhos, por exemplo.
Definidas as partes de um enredo complexo, passemos à definição das diferentes espécies de reconhecimento, previstas pela Poética. No capítulo XVI, cinco espécies são apresentadas por Aristóteles (1454b20-1455a20, 2007, p. 69-72) em escala valorativa, da pior à melhor. O filósofo estabelece que a primeira espécie e “a que tem menos arte” (ἡ ἀτεχνοτάτη), usada por falta de engenho dos poetas, é o reconhecimento que se faz “através de sinais” (ἡ διὰ τῶν σημείων). Tais sinais podem ser “congênitos” (τὰ μὲν σύμφυτα), como os sinais de nascença, ou “adquiridos” (τὰ δὲ ἐπίκτητα), como cicatrizes ou objetos em posse do personagem. Aristóteles (1454b25, 2007, p. 70) ressalva que os “sinais podem ser mais ou menos bem aproveitados”, sinalizando que o contexto do uso pode determinar a qualidade do recurso. A segunda espécie envolve os reconhecimentos que são “forjados pelo poeta” (αἱ πεποιημέναι ὑπὸ τοῦ ποιητοῦ), por esse motivo “sem arte” (ἄτεχνοι). Trata-se das declarações de identidade, por exemplo, que dizem o que o poeta quer dizer e não o que o enredo exige, desafiando o princípio da verossimilhança e da necessidade. A terceira espécie de reconhecimento dá-se “através da recordação” (διὰ μνήμης). Por efeito de uma forte emoção, normalmente ligada à contemplação de um objeto artístico (um quadro, um canto), um personagem chora e é reconhecido por outro. Como destaca Duarte, as lágrimas são, nesse caso, “o sinal exterior do vínculo que há entre quem se emociona e o evento que as produziu” (2012, p. 80, grifo da autora), de modo que quem reconhece está na verdade fazendo uso da memória, mas também da primeira espécie definida (por meio de um sinal), aliada a um raciocínio. A quarta espécie de reconhecimento é justamente a que resulta de um raciocínio, “silogismo” (ἡ ἐκ συλλογισμοῦ) ou “paralogismo” (ἐκ παραλογισμοῦ). No caso do silogismo, o mais utilizado, trata-se de fazer uma inferência que conduz à conclusão correta acerca da identidade de certo personagem, normalmente levando em conta um sinal evidente (marcas, objetos ou lágrimas, como acabamos de mencionar). O quinto tipo – na opinião de Aristóteles, o “melhor de todos os reconhecimentos” (πασῶν δὲ βελτίστη ἀναγνώρισις) – é aquele que “decorre dos próprios acontecimentos” (ἡ ἐξ αὐτῶν τῶν πραγμάτων), já que dispensa sinais e “o espantoso surge no meio de fatos verossímeis” (Aristóteles, 1455a15, 2007, p. 72). A razão de eleger esta última espécie de reconhecimento como a mais elevada deve-se sobretudo ao fato de que ela respeita o princípio defendido ao longo de toda a Poética, de necessidade e verossimilhança no encadeamento das ações (este último termo, εἰκός, ocorre, aliás, no contexto: “fatos verossímeis” traduz εἰκότων).7
Se Aristóteles menciona que há usos melhores e piores de uma mesma espécie de reconhecimento (levando em conta o uso dos sinais), como afirmamos acima, tal ressalva não parece afastá-lo de uma apreciação em abstrato das espécies, única forma de hierarquizá-las. A crítica a tal postura pode ser lida em Duarte (2012, p. 79): “Aristóteles falha ao desconsiderar o contexto para o exame das cenas de reconhecimento, ou seja, os reconhecimentos não são melhores ou piores, a não ser em abstrato, mas prestam-se a melhor ou pior uso, tendo em vista o contexto a que pertencem.” Concordamos com a estudiosa, o que quer dizer que em nossa análise daremos especial atenção ao contexto de uso do recurso, causa última de sua qualidade.
Consideremos ainda que nas cenas de reconhecimento não encontramos apenas uma espécie em uso (como já ficou sugerido acima), mas uma “intersecção entre elas”, fato que deveria conduzir à investigação do “elemento predominante sem perder de vista os demais, o que tornaria a análise mais rica” (Duarte, 2012, p. 73). Assim, por exemplo, um reconhecimento feito por meio de sinal certamente requisita raciocínio e memória, já que “tanto memória quanto raciocínio são fatores determinantes em qualquer espécie de reconhecimento” (Duarte, 2012, p. 49). Trata-se mais de considerar as espécies envolvidas em uma mesma cena em termos de predominância e efetividade, atentando ao elemento que de fato confirma para personagens e público os novos vínculos ligados à revelação de uma identidade antes ignorada ou só parcialmente conhecida.
No romance de Longo, há duas cenas de reconhecimento, envolvendo naturalmente os protagonistas, o cabreiro Dáfnis e a pastora Cloé. Falamos em “cenas de reconhecimento”, porque
Os reconhecimentos são “cenas” no sentido narratológico, ou seja, o tempo dedicado à sua apresentação (récit) está mais próximo do tempo da história (histoire) do que em um breve relato. Ou simplesmente: os reconhecimentos são encenados em detalhes. Isso vale não apenas para o drama, mas também para a Odisseia: episódios de reconhecimento sem pelo menos algumas linhas de discurso direto são raros. Narrativas posteriores em prosa mostram uma sensibilidade semelhante à teatralidade intrínseca aos reconhecimentos, ao fazer uma pausa na coreografia de seus desdobramentos. (Montiglio, 2013, p. 4)8
A definição, que tem por base Genette, salienta a “pausa” do discurso, ocasionada pela presença do diálogo e, portanto, da interação entre os personagens, o que faz com que a duração do discurso seja semelhante à duração das ações encenadas. Por causa disso, pode-se falar em “teatralidade intrínseca” ao recurso. O desenvolvimento da cena de reconhecimento precisa dessa pausa, pois se trata de revelar novos vínculos de parentesco, o que não deve ser feito apressadamente, já que esse fato acarreta, fatalmente, no redirecionamento do enredo e das relações entre os personagens. Pensemos na prudência necessária de Penélope diante de Odisseu, no Canto XXIII: depois de esperar pelo marido por duas décadas, a rainha não poderia reconhecer apressadamente o herói, com o risco de empossar um impostor. O recurso, como já foi sugerido, não é exclusivo de nenhum gênero, podendo ser flagrado na épica, no drama (tragédia e comédia) e no romance.
As cenas de reconhecimento em Dáfnis e Cloé envolvem fundamentalmente sinais. Mas a ciência preliminar desse fato não representa um anticlímax, por dois motivos: primeiro porque nas primeiras linhas da obra narra-se exatamente a exposição de dois bebês com a menção a objetos que os acompanham, o que sugere aos leitores seu uso futuro; em segundo, porque nos interessa a maneira como as cenas se articulam com outras partes do enredo, e não apenas os reconhecimentos em si.
O encontro dos bebês
A menção aos objetos de reconhecimento (na obra gnorísmata) ocorre no começo da narrativa, uma vez que a história principia ab ouo ou ab initio e o início é a exposição dos protagonistas. Ao relatar a exposição de dois bebês, primeiro Dáfnis, dois anos mais tarde Cloé, o narrador informa que com eles foram deixados objetos suntuosos, sinalizando tanto uma origem nobre quanto a possibilidade de reconhecimento futuro pelas famílias verdadeiras. Foi o pastor Lâmon quem, dando pelo sumiço de certa cabra sempre nos mesmos horários do dia, seguiu a furtiva e descobriu o bebê que ela amamentava:
Pastoreando nesta fazenda, um guardador de cabras chamado Lâmon encontrou uma criança mamando sob uma de suas cabras. Havia um bosque de carvalhos, com moita de sarça, hera espalhada e um tapete macio de folhas, sobre o qual jazia a criança. Para este lugar a cabra corria com frequência e às vezes desaparecia; deixando de lado o cabrito, ela passava seu tempo ali junto do bebê. Lâmon, com pena do cabrito abandonado, passa a vigiar as idas e vindas e ao sol do meio-dia, seguindo-lhe o rastro, avista a cabra velando, cautelosa, sobre o bebê, pisando o chão com cuidado para não lhe ferir com as patas, enquanto ele mama o fluxo de leite de seu úbere maternal. Espantado, como era natural, ele se aproxima e encontra um bebê menino, grande e belo, envolvido em cueiros bem melhores do que sua sorte de abandonado faria supor. Com o bebê havia ainda um pequeno manto de púrpura, um broche dourado e um punhal com cabo de marfim.
Primeiro ele decidiu recolher apenas os objetos de reconhecimento (γνωρίσματα), sem se preocupar com o bebê. Depois, com vergonha de não imitar a humanidade de sua cabra, ele monta guarda até a noite e leva tudo para sua esposa Mírtale, os objetos de reconhecimento e a criança com cabra e tudo. (D&C, 1.2.1−1.3.1)9
Como afirma o narrador, Lâmon fica “espantado” com o que encontra: um bebê mamando em sua cabra. Com ele, objetos que o narrador descreve: um mantinho purpúreo, um broche de ouro e um punhal com cabo de marfim. O pastor recolhe a criança (tendo antes pensado em pegar só os objetos, “sem se preocupar como bebê”, 1.3.1), leva-o para a casa, assim como a cabra, e decide junto com a esposa adotar o menininho como filho, sem nada revelar a ninguém. De Dáfnis, um nome pastoril, lhe chamam (derivado de δάφνη, “loureiro”).
Dois anos mais tarde, noutro ponto daqueles campos, novo acontecimento inusitado: outro bebê é exposto e recolhido, dessa vez pelo pastor Drias:
Dois anos depois, um pastor que apascentava nos campos vizinhos, de nome Drias, acha-se também ele diante de iguais descobertas e espetáculos. Havia uma gruta de Ninfas, uma rocha enorme, oca por dentro, arredondada por fora. [...]
Para este santuário de Ninfas, uma ovelha que parira recentemente se dirigia com frequência, causando muitas vezes a impressão de que tinha se perdido. Querendo puni-la e trazê-la de volta aos bons modos, Drias dobrou um laço de vara verde, qual uma armadilha, e foi até a rocha, com a intenção de agarrá-la ali. Parado, ele nada viu do que esperava, mas apenas uma ovelha que dava muito humanamente seu úbere para intensa sucção de leite e uma criança que, sem chorar, mudava avidamente de um úbere para outro, sua boca limpa e luzente, pois a ovelha lambia-lhe a face com a língua, assim que ela se saciava com o alimento. Era uma bebê menina e com ela permaneciam também cueiros e objetos de reconhecimento (γνωρίσματα): um diadema trançado em ouro, sandálias recobertas de ouro e tornozeleiras douradas. (D&C, 1.4.1; 1.5)10
Dessa vez, uma menininha; Drias, o pastor, ao encontrá-la, surpreende-se (como Lâmon), pois “nada viu do que esperava”, já que a ovelha que ele imaginava desgarrada fazia as vezes de ama de leite da bebezinha. Os objetos suntuosos que a acompanham são descritos: diadema trançado em ouro, sandálias recobertas de ouro e tornozeleiras douradas. O nome escolhido para a menina também evoca o mundo pastoril: Cloé (de χλοή, “erva”, “folhagem”, “verdura”), nome que também é epíteto de Deméter, a “Verdejante”.
Notemos que nos dois casos o termo gnorísmata aparece no texto (em 1.3.1 e em 1.5.3). O vocábulo, que pode ser traduzido por “objetos que permitem conhecer ou reconhecer alguém” ou simplesmente “sinais”, deriva do verbo gnorízo (“fazer conhecer ou dar a conhecer”) e guarda relação com o termo anagnórisis, presente na Poética, assim como com os termos ágnoia e gnôsis, que caracterizam o ato de ignorar e conhecer no capítulo XI da obra (“da ignorância para o conhecimento”). Todos os termos estão dentro do mesmo campo semântico e referem-se, nesses contextos, à questão que envolve a descoberta das identidades.
Em Dáfnis e Cloé, o termo expressa claramente a finalidade dos objetos dentro da narrativa, pois eles estão ali para permitir o reconhecimento. Dessa forma, a expectativa – correta – de leitores e personagens é que nesta história, se os bebês abandonados chegarem a ser reconhecidos por suas famílias, será fatalmente por causa desses sinais, aliás externos ao corpo (sémeia epíkteta). Se porque, como afirma Montiglio (2013, p. 6), sempre existe a “perspectiva sombria esboçada pela possibilidade teórica do não reconhecimento”; é ela, aliás, que “proporciona o próprio prazer e aumenta o prazer da feliz resolução, configurando este último como uma mudança repentina.”11
Se, por um lado, tais objetos instauram na obra a expectativa do reconhecimento, por outro, eles apresentam um dado importante para esta narrativa romanesca, que é inédita, original, ficcional: como a história de amor dos pastores não deriva de nenhum mito existente, não há subentendidos, permanecendo na ignorância tanto personagens quanto público com relação ao percurso narrativo, diferentemente do que acontece na tragédia ou na epopeia. O romance, nesse sentido, está mais próximo da comédia, o que torna a reclamação do cômico Antífanes tão legítima para a comédia como para o romance: em Duarte (Aristófanes, 2005, p. XII-XIII) lemos sua queixa sobre a facilidade de compor tragédias, que se baseiam em mitos existentes, em oposição à dificuldade de compor comédias, com seus enredos originais. O caráter ficcional das narrativas romanescas (assim como da comédia), impede, pois, a construção da “ironia dramática” (Montiglio, 2013, p. 5) que resulta da discrepância de conhecimento entre público e personagens: nas tragédias, conhecemos os heróis e suas relações de parentesco (sabemos quem é Édipo; ele é quem não sabe) e só “sofremos” com eles por efeito daquela empatia imaginativa mencionada anteriormente. Já nos romances os leitores não sabem quem são os personagens, nem o que os espera, porque a história é original, inventada, e público e personagens, portanto, apenas conhecem aquilo que o narrador revela. Ambos desconhecem as origens de Dáfnis ou Cloé, não têm a segurança de que eles serão reconhecidos, nem se ficarão juntos. Por outro lado, ao incorporar a anagnórisis como parte de seus enredos, os romancistas fizeram com que o recurso fosse esperado, como uma tópica. Montiglio (2013, p. 5) afirma que, no romance, “o reconhecimento é um ingrediente fixo e, como tal, sujeito a expectativas de gênero: pode acontecer de forma inesperada e ‘chocante’, mas esperamos que aconteça. A antecipação abre nosso apetite para isso como se fosse uma pièce de résistance.”12 A menção aos objetos no princípio da narrativa contribui, portanto, para essa excitação dos apetites, sem garantir, porém, sua efetividade.
Se os gnorísmata preparam os reconhecimentos na narrativa, eles prenunciam, ao mesmo tempo, a troca de status social dos personagens: por serem suntuosos, os objetos sugerem a leitores e personagens (os pais adotivos Lâmon e Mírtale, Drias e sua esposa Nape) que as crianças recolhidas pertencem a uma classe social melhor que a dos camponeses. Estamos assim dentro de uma vasta tradição literária de emprego do “motivo mítico generalizado de crianças de alto status abandonadas [...], milagrosamente nutridas por animais, criadas por pessoas pobres e finalmente descobertas por seus pais graças aos sinais deixados com eles” (Montiglio, 2013, p. 89).13 De modo parecido acontece com Édipo, na peça de Sófocles (recolhido por escravos, embora criado por reis e reconhecido “pelas próprias ações”) ou com Íon, na peça homônima de Eurípides (recolhido por Hermes, criado pela sacerdotisa de Apolo e reconhecido pelos gnorísmata deixados com ele).
Nas duas exposições em Dáfnis e Cloé, temos pequenas diferenças, ligadas ao lugar (em uma moita ele, em uma gruta ela), ao gênero (um menino, uma menina), ao animal benfeitor (uma cabra e uma ovelha). Destaquemos, todavia, que em ambos os casos se atribuem aos animais a qualidade de “humano” pelo gesto de acolher o bebê (menciona-se “a humanidade” da cabra, philanthropían, em 1.3.1; e que a ovelha oferecia ao bebê a teta “humanamente”, anthropínos, em 1.5.2). A atitude dos pastores também é diferente diante da situação: enquanto Drias simplesmente recolhe o bebê e os gnorísmata, Lâmon pensa em abandoná-lo, levando apenas os ricos objetos. Como pensa Montiglio (2013, p. 89), essa atitude parece ter como horizonte intertextual a comédia de Menandro intitulada A arbitragem, confirmando, como pensam diferentes estudiosos, que a influência da comédia nova sobre a obra de Longo é de fato marcante (Longus, 2010, p. CXXXIII-CXXXVII; Longo, 1997, p. 21). Na peça de Menandro, assim como em Dáfnis e Cloé, um pastor (chamado Daos) recolhe um bebê e seus gnorísmata, mas se arrepende da atitude e dá o bebê a um carvoeiro, Sirisco, sem entregar os gnorísmata. Quando Sirisco toma conhecimento da existência dos objetos, por entender que o bebê “talvez seja superior a nós” (ἴσως ἔσθ’ ο[ὑτο]σί /ὁ πα]ῖς ὑπέρ ἡμᾶς, v. 320-1), ele quer reaver os objetos, pois de outro modo a criança jamais poderá ser reconhecida pelos pais. Por isso, ele reivindica a “bolsa com objetos de reconhecimento” (πηρίδιον γνωρισμάτων, v. 331), bolsa que contém “joias” (τὰ χρυσί’, v. 309), “colares” (δέραια, v. 246), “adorno” (κόσμον, v. 247), um “anel” gravado (δ]ακτύλιος, v. 387). A questão é arbitrada por Esmícrines, o avô do bebê, sem que ele saiba que decide o destino de um parente, pois os objetos não são exibidos na ocasião, mas apenas mencionados. Montiglio (2013, p. 89) acredita que a atitude de Lâmon tem base nesta peça de Menandro porque a hipótese de separar bebê e gnorísmata não é cogitada em outras fontes.
Outros aspectos do reconhecimento em Dáfnis e Cloé parecem aludir a Menandro. O fato, por exemplo, de haver dois abandonados e, portanto, duas cenas de reconhecimento, também pode ser visto em A tosquiada, em que dois gêmeos, por falta de recursos do pai, são expostos e criados separados: ele, Mósquion, na riqueza, ela, Glícera, na pobreza. Os estudiosos (Longus, 2010, p. 112-113; Longo, 1997, p. 42, n. 10) relacionam a presença do termo μίτρα (“diadema”) em Longo ao seu uso em Menandro. Na peça, há menção a diferentes objetos: uma “cestinha” com roupa bordada (κιστίδ’, v. 756), um “diadema dourado” (χρυσῆ μίτρα, v. 823), um “colar” (δέραια, v. 815), um “adorno” de pedras (κόσμος, v. 816), um “cinto” (ζώνη, v. 820), além de um “mantinho” diáfano (χλαν[ίδιον, v. 822). Quero destacar que o termo khlanídion, se estiver corretamente emendado, evoca diretamente aquele khlanídion que acompanhou a exposição de Dáfnis. Se Longo aludiu deliberadamente a mítra, a partir da peça de Menandro, poderia tê-lo feito em relação ao termo khlanídion; e igualmente em relação ao adjetivo “dourado”, que ocorre qualificando o diadema em ambas as obras, com variação: em Menandro, χρυσῆ; em Longo, διάχρυσος (o termo χρυσῆ também ocorre em Longo, mas a qualificar o “broche”, πόρπη). Destaco ainda que o termo gnorísmata está presente nas duas peças de Menandro (gn[ó]risma no v. 816, em A tosquiada, e gnorísmata no v. 303, em A arbitragem, por exemplo) e é o termo utilizado reiteradamente por Longo para designar os pertences dos abandonados em seu romance.14
A despeito de sua origem elevada, Dáfnis e Cloé se tornarão pastores. Assim que os filhos entram na adolescência, os pais adotivos sonham o mesmo sonho deliberativo:
Essas crianças bem rápido cresceram e a beleza (κάλλος) de ambas se revelava superior à da vida rústica. Tinha ele já quinze anos de idade, ela dois a menos, quando Drias e Lâmon tiveram ambos, numa mesma noite, o seguinte sonho. Apareceram-lhes as Ninfas, aquelas da gruta na qual há uma fonte, na qual Drias encontrou a criança, e confiaram Dáfnis e Cloé a uma criança demasiado austera e bela, com asas nos dorsos e portadora de pequenos dardos e um pequenino arco. Atingindo ambos com só um dardo, ela então lhes ordena pastorear – cabras ele, ovelhas ela.
Ao contemplar este sonho, os dois ficaram tristes, já que seus filhos se tornariam pastores, a despeito dos cueiros que anunciavam uma sorte melhor. Por esse motivo eles os nutriam com alimentos os mais frugais e lhes ensinavam as letras e tudo quanto havia de mais belo na vida rústica. Contudo, parecia melhor confiar nos deuses em relação aos que tinham sido salvos por providência divina. (D&C, 1.7–1.8.1)
A decisão dos deuses não agrada os pastores, já que esperavam para os filhos “uma sorte melhor”, mas mesmo assim eles obedecem a deliberação e mandam Dáfnis e Cloé aos campos como pastores. Do sonho destaquemos ainda a presença, ao lado das Ninfas, de uma criança “austera e bela”, alada, com arco e flecha, desconhecida pelos camponeses e que dá a ordem: trata-se de Eros, conforme o vemos representado amiúde entre os poetas helenísticos, especialmente na Antologia Grega.15 Uma vez que os pastores não reconhecem o deus, eles não são capazes de captar o objetivo mais profundo da deliberação: promover a união amorosa dos jovens. As Ninfas confiam ao deus o casal de pastores e ele, por sua vez, flecha “ambos com um só dardo”, sinalizando uma paixão inescapável. O leitor experiente em romances antigos já entendeu que estamos diante de uma história de amor. Trata-se, de fato, daquela “história de amor” (ἱστορίαν ἔρωτος) que o narrador já sumarizara nas primeiras linhas do Proêmio e que lhe fora inspirada pela contemplação da “imagem de um quadro” (εἰκόνος γραφήν) visto em Lesbos e registrada, em seguida, através da escrita.
Os objetos de reconhecimento, que aparecem tão cedo na obra, só serão revelados no Livro Quarto, último do romance. Mas ao longo da narrativa sua presença pode ser percebida, a determinar o avanço e o retardar das ações. Longo adiou ao máximo a revelação da identidade dos protagonistas, como veremos, e por causa disso mobilizou uma série de outros elementos narrativos, que passaram a depender das anagnoríseis.
O reconhecimento de Dáfnis
Evoquemos, a nosso favor, o fato de que “os críticos não parecem concordar em relação a quais episódios nos romances considerar reconhecimentos” (Montiglio, 2013, p. 13, n. 48),16 o que faz de nossa análise uma tentativa de contribuir para o avanço da compreensão do tema entre nós. Comecemos, portanto, afirmando que os objetos não mentiam, pois os jovens pastores realmente são oriundos de nobres famílias. Dáfnis será reconhecido como filho do proprietário dos campos em que vivia e pastoreava cabras, dos quais passará a ser o novo dono.
O reconhecimento de Dáfnis representa, na narrativa, uma verdadeira peripécia, uma “mudança das ações em seu contrário”, já que o enredo caminhava em outra direção. Com os proprietários, viera ao campo Gnáton, um parasita amigo de Ástilo, o filho do patrão, que se apaixonou subitamente por Dáfnis. Por desejar sexualmente o rapaz, ele pedira a Ástilo que lhe concedesse o pastor como um servo e amante que ele levaria para a cidade, no que fora atendido (4.17). Notemos que Ástilo é irmão de Dáfnis, como se revelará, e a ação de entregá-lo como servo sexual a um parasita constituiria na obra um enorme erro, uma verdadeira hamartía, decorrente, naturalmente, da ignorância dos laços de parentesco. Se os reconhecimentos em Longo trabalham sobre modelos cômicos, o de Dáfnis instaura ainda uma atmosfera de sofrimento na possibilidade de um irmão escravizar o outro, o que aciona o páthos na narrativa.17 Para evitar um desdobramento funesto, Lâmon percebe que é chegada a “ocasião” (καιρός, 4.18.2) de revelar ao patrão a origem superior de Dáfnis:
– Ouça, patrão, as palavras verdadeiras de um homem velho: juro em nome de Pã e das Ninfas que em nada mentirei. Não sou pai de Dáfnis, nem Mírtale jamais teve a felicidade de tornar-se mãe. Outros pais expuseram esta criança, por terem talvez filhos mais velhos suficientes. Eu o encontrei abandonado, sendo alimentado pela minha cabra, a quem depois de morta, por amor, sepultei no jardim, já que fez os trabalhos de uma mãe. Encontrei com ele também objetos de reconhecimento (γνωρίσματα) abandonados. Admito, patrão, e os conservo: são símbolos de uma sorte melhor do que a nossa. Não desdenho, então, que ele seja escravo de Ástilo, um belo servidor de um belo patrão. Mas não posso permitir que ele se torne objeto nas mãos de Gnáton, que anseia levá-lo para Mitilene para trabalhos femininos. (D&C, 4.19.3-5)
Lâmon revela muitas coisas, entre elas, os detalhes da exposição, os cuidados da cabra, a existência de objetos de reconhecimento, “símbolos” (σύμβολα) de uma “sorte melhor” (τύχης μείζονος) do que a de mero pastor. O camponês cogita ainda a razão de os pais abandonarem o bebê (o fato de já terem muitos filhos), antecipando a causa alegada pelo pai e patrão, Dionisófanes, mais à frente. Enfatiza ainda a motivação de Gnáton em levar Dáfnis para a cidade, para que desempenhe “trabalhos femininos” (γυναικῶν ἔργα), um eufemismo para sua sujeição sexual. O patrão ouve as palavras do camponês, mas não lhes dá crédito prontamente, pensando tratar-se de uma mentira. Considera, porém, que Lâmon recusara dois cabreiros em troca de Dáfnis e jurara pelos deuses que dizia toda a verdade, atendendo ao seu pedido de falar “sem compor (μηδὲ πλάττειν) coisas iguais a lendas (μύθοις) para reter o filho” (4.20.1). Tais questões ele pensa nos seguintes termos:
– Por que Lâmon mentiria, estando prestes a receber dois cabreiros em troca de um? Como também inventaria essas coisas, sendo um camponês? Pois não era incrível, desde o começo, um filho bonito assim nascer de tal velho e de uma mãe vulgar? (D&C, 4.20.2)
Na fala de Dionisófanes vemos transparecer três argumentos fundamentais, que confirmam as afirmações do pastor. Em primeiro, que a mentira de Lâmon tem pouca razão de ser, já que ele teria, em lugar de Dáfnis, dois cabreiros a seu serviço, o que seria mais vantajoso. Em segundo, evoca-se a ignorância que um homem cultivado como Dionisófanes projeta sobre um camponês como Lâmon, considerado por ele incapaz de inventar a história contada. Por fim, a aparência de Dáfnis é vista como incompatível, mesmo “incrível” (ἄπιστον), se comparada com a dos pais, camponeses comuns e vulgares. A recusa pela vantagem, a incapacidade de inventar a história e a beleza do rapaz coagem Dionisófanes a considerar a explicação de Lâmon como verdadeira. Destaquemos que a cena tem semelhança com a comédia já referida, A arbitragem, já que em Menandro como em Longo (a semelhança não escapa à Montiglio, 2013, p. 89) o personagem que arbitra o faz na ignorância, revelando-se só mais tarde como um parente seu. Em Menandro, a cena se encerra sem a revelação da identidade, diferentemente de Longo, que adia o recurso apenas brevemente, logo colocando em cena os objetos.
O argumento da beleza dos protagonistas em descompasso com a dos pais e da comunidade camponesa já aparecera anteriormente, na descrição da entrada dos jovens na adolescência (“Essas crianças bem rápido cresceram e a beleza de ambas se revelava superior à da vida rústica.”, 1.7.1). Tal argumento deriva de uma lógica mítica, que estabelece a semelhança entre pais e filhos como uma regra. Montiglio (2013, p. 88) acrescenta que autores antigos como Aristóteles, Platão e Eurípides perceberam a possibilidade da quebra desse padrão (que pais e filhos na realidade não se pareçam física ou moralmente), mas no âmbito do mito essa incompatibilidade nunca ocorre. O argumento da beleza entra no romance de Longo como mais um sinal, portanto, de identificação da origem elevada de Dáfnis, embasado em uma lógica mítica. Tal argumento atualiza de certo modo o sentido do ideal de καλοκἀγαθία (“beleza e virtude”) na cultura grega e é evocado para considerar que Dáfnis não é filho de camponeses − afinal, de pais vulgares não podem nascer filhos belos e nobres. Espalhada assim pelo caminho, a menção à beleza dos protagonistas ajuda a construir acertadas expectativas sobre suas origens e aponta para a mesma direção que os gnorísmata, deixando evidente que os jovens pastores não são gente comum. (Notemos ainda que a mesma lógica mítica que orienta o argumento da beleza animará também certos aspectos do reconhecimento, evocativo de uma lógica igualmente irracional, como veremos.)
Voltemos à cena de reconhecimento. Depois de cogitar consigo mesmo que já era hora de examinar os objetos de reconhecimento (gnorísmata) sem mais especular, se eles realmente eram reveladores de uma “sorte distinta e mais ilustre” (4.21.1), Dionisófanes pede que os exibam; e, ao avistar tais objetos – “um mantinho de púrpura, um broche de ouro, um punhal de marfim”18 – de imediato solta um grito (“Oh Zeus soberano!”, 4.21.2)” e chama sua esposa Cleariste, que depois de gritar também ela, diz:
– Moiras queridas! Não foram estes objetos que expusemos com nosso próprio filho? Nós não enviamos Sofrosine carregando-os para estes campos? Não outros, mas estes mesmos! Querido esposo, o garoto é nosso filho! Dáfnis é seu filho e pastoreia as cabras do pai. (D&C, 4.21.3)
Os pais, então, recordando-se da criança que eles outrora decidiram abandonar à própria sorte, reconhecem-na em Dáfnis. O reencontro surpreende verdadeiramente os pais porque eles abandonaram o bebê não para ser recolhido, mas para a morte, como afirmará Dionisófanes. Nesse sentido, os objetos não eram exatamente gnorísmata (“de reconhecimento”), mas entáphia (“sepulcrais”, 4.24.1). O motivo alegado para a exposição da criança foi o tamanho da família, já com três filhos, sendo o quarto um filho indesejado. A ironia do destino foi que, sendo a família tão numerosa, dois filhos vieram a falecer de uma mesma doença, em um mesmo dia, ceifados pela Týkhe: “mas outras foram as deliberações da Sorte. Pois o meu filho mais velho e a minha filha faleceram em um só dia com a mesma doença. Você me foi salvo por providência dos deuses, a fim de que tenhamos mais amparo” (4.24.2).
Pode parecer estranho ao leitor moderno que uma família abastada expusesse um filho. Mas tal prática, embora apresentada aqui ficcionalmente, tem forte amparo na realidade antiga: gregos e romanos enjeitavam filhos sem grande pudor, embora soubessem que outros povos acolhiam todos os filhos nascidos, como explicita Veyne (2009, p. 21): “os gregos e os romanos sabiam que uma particularidade dos egípcios, dos germanos e dos judeus consistia em criar todas as suas crianças e não enjeitar nenhuma”. O mesmo estudioso afirma que
o abandono de filhos legítimos tinha como causa principal a miséria de uns e a política patrimonial de outros. Os pobres abandonavam as crianças que não podiam alimentar; outros “pobres” (no sentido antigo do termo, que hoje traduziríamos por “remediados”) enjeitavam os filhos “para não vê-los corrompidos por uma educação medíocre que os torne inaptos à dignidade e à qualidade”, escreve Plutarco; a classe média, os simples notáveis, preferia, por ambição familiar, concentrar esforços e recursos num pequeno número de rebentos. Contudo, mesmo os mais ricos podiam enjeitar um filho indesejado cujo nascimento pudesse perturbar disposições testamentárias já estabelecidas. (Veyne, 2009, p. 22)19
Vemos, portanto, que o abandono de bebês por famílias abastadas, de que Dionsisófanes e a esposa Cleariste são um exemplo ficcional, não era incomum entre gregos e romanos. Montiglio (2013, p. 88), atenta ao tema, afirma que Longo tentou dar “um colorido realista” ao motivo da exposição, ao levar em conta razões plausíveis para ela. Notemos que no caso de Dáfnis “a política patrimonial” é que parece ter decidido o destino do quarto filho da casa, tornando-se ele indesejado por “perturbar disposições testamentárias”. De fato, esse é um argumento presente na explicação que Dionisófanes dá para a exposição do filho. Salientemos que o fato de expor o filho para a morte acarreta no pedido de perdão dos pais:
– Então não me guarde rancor pela exposição de outrora – pois eu não decidi voluntariamente – nem você, Ástilo, fique triste, por pegar parte em vez de toda a propriedade: nada é melhor patrimônio do que um irmão para os bem ajuizados. Mas se amem mutuamente porque, por suas posses, até com reis vocês rivalizam. Pois eu deixarei para vocês terra imensa, muitos escravos destros, ouro, prata e outros patrimônios de afortunados. Apenas este campo em particular dou a Dáfnis, assim como Lâmon e Mírtale e as cabras que ele próprio pastoreava. (D&C, 4.24.3-4)
Os elementos decisivos para o reconhecimento de Dáfnis são, sem dúvida, os gnorísmata, sem os quais o reconhecimento ficaria praticamente impossível. Os objetos é que confirmam a identidade de Dáfnis, tratando-se da primeira espécie na Poética. Perceba o leitor que, se para cada espécie há melhores e piores usos, os sinais, embora simples, entram no enredo produzindo uma reviravolta e são exigidos “pelas próprias ações”; os objetos representam, pois, uma peripécia para personagens e público. O que víamos era a iminente escravidão sexual de Dáfnis, o rebaixamento de sua condição, o que é interrompido pelo reconhecimento e a consequente troca total de status. A peripécia acontece junto com o reconhecimento porque a descoberta da identidade reestabelece os laços de parentesco, convertendo quem antes era pastor, tornado quase um escravo sexual, em senhor dos campos que pastoreia. Aristóteles (1452a15-20, 2007, p. 56-7) imagina o recurso, ao definir a ação complexa:
Será complexa quando a mudança for acompanhada de reconhecimento ou peripécias ou ambas as coisas. E estas coisas devem surgir da própria estrutura do enredo, de forma a que resultem de acontecimentos anteriores e ocorram de acordo com o princípio da necessidade e da verossimilhança: é muito diferente uma coisa acontecer por causa de outra ou depois de outra.
Por meio das próprias ações (a quinta espécie na Poética) desenvolve-se o reconhecimento do filho pelos pais, combinando o recurso com a peripécia, atendendo, portanto, ao princípio salientado por Aristóteles de que “uma coisa” aconteça “por causa de outra” e não apenas “depois de outra”. Afinal, parece demasiado verossímil que Lâmon, diante do destino funesto desenhado para Dáfnis, decida impedir sua realização, procurando o patrão com os gnorísmata nas mãos. Notemos ainda que Ástilo e seu pai Dionisófanes haviam concordado em dar o cabreiro ao libertino Gnáton, o que faria com que pai e filho partilhassem da trágica responsabilidade de aviltar um parente, cometendo um erro ou hamartía, o que todavia não ocorre.
A anagnórisis de Dáfnis apresenta ainda a declaração de Lâmon (segunda espécie) acerca dos objetos: ela é necessária para associar o bebê aos objetos, já que eles poderiam não ter qualquer relação. Notemos ainda que a declaração de Lâmon mobiliza outras espécies, a recordação e o raciocínio (terceira e quarta), que fundamentam o reconhecimento por parte de Dionisófanes: ele se lembra de que expôs um bebê com os objetos; o camponês recolheu um bebê com tais objetos; logo, o rapaz é seu filho. Não pesa aqui nenhum argumento em contrário, capaz de problematizar o reconhecimento, dado o caráter convencional do recurso (Duarte, 2012, p. 201, n. 21).
Há um desdobramento interessante da cena de reconhecimento de Dáfnis que não pode ficar de fora dessa análise. Trata-se, na verdade, da segunda parte da cena. Na ocasião da conversa e da apresentação dos objetos, Dáfnis não estava presente, de modo que o reconhecimento aconteceu em sua ausência, o que leva Montiglio (2013, p. 103) a afirmar que Longo está, de novo, alinhado a modelos cômicos. Dáfnis estava no parque e temia o destino de escravidão sexual na cidade; era isso o que tinha em mente. Assim, quando Ástilo, o filho do patrão, informado do parentesco, corre na direção do irmão para ser o primeiro a abraçá-lo, quase causa uma tragédia, no sentido do páthos:
Cleariste ainda estava falando, ao passo que Dionisófanes beijava os objetos de reconhecimento (γνωρίσματα) e chorava pela alegria extraordinária, quando Ástilo, compreendendo que ele era seu irmão, depois de jogar o manto, correu para o parque, desejoso de ser o primeiro a beijar Dáfnis. Dáfnis, ao vê-lo correndo com muitos outros em sua direção e gritando – Dáfnis! –, pensando que ele corria com a intenção de agarrá-lo, depois de jogar o alforje e a flauta, precipitou-se na direção do mar, para se lançar do enorme promontório. E Dáfnis talvez tivesse feito isso – coisa inusitada! –, logo encontrado, logo perdido, se Ástilo, compreendendo o fato, não gritasse de novo:
– Pare, Dáfnis, não fique com medo. Sou seu irmão e os que eram até agora seus patrões são seus pais. Há pouco Lâmon nos falou sobre a cabra e mostrou os objetos de reconhecimento (γνωρίσματα). Vire-se e olhe como eles avançam alegres e sorridentes. Mas me beije em primeiro lugar. Juro pelas Ninfas que não estou mentindo. (D&C, 4.22.1-4)
Dáfnis se assusta com o avanço de todos em sua direção e sai em disparada, disposto a acabar com a própria vida, jogando-se no mar – tudo isso para não ser o escravo sexual de Gnáton. O insólito da passagem é sublinhado pelo narrador, ao afirmar que seria “a coisa mais nova” (τὸ καινότατον) alguém ser reconhecido e morrer em um mesmo dia. A anagnórisis resultaria nula, ou melhor: o reconhecimento de Dáfnis seria a causa de sua própria morte, como afirma Montiglio (2013, p. 104, n. 147, grifo da autora), “pois Ástilo corre até Dáfnis apenas porque ele foi reconhecido”.20 (Enfatizemos que se a ação se cumprisse, teríamos uma peripécia dentro da peripécia.) Vejamos, portanto, que a saída da ignorância na direção do conhecimento, com a descoberta dos vínculos de parentesco entre os personagens, em lugar de conduzir à felicidade, descambaria no sentido contrário, produzindo a infelicidade, instaurando o sofrimento próprio do páthos trágico, já que um irmão teria causado a morte de outro irmão. Nada disso, contudo, é próprio do romance idealizado, que anseia mesmo é pelo final feliz.
Destaquemos ainda que a ambivalência das ações e seus ambíguos resultados exibe uma importante qualidade romanesca, destacada por Brandão (2005, p. 208): sua linguagem siléptica.
O reconhecimento de Cloé
O reconhecimento de Cloé ocorre de modo diferente, como não poderia deixar de ser. Longo aprecia paralelismos ou um “jogo de correspondência”, como informa Vieillefond (Longus, 2010, p. CCVII), em que trabalha variações na apresentação dos mesmos temas. De resto, a narrativa duplicada é uma qualidade dos romances em geral, decorrente da decisão do narrador, uma vez separados os protagonistas, de acompanhar as ações ligadas a cada um deles, como afirma Ruas (Xenofonte de Éfeso, 2000, p. LV). Em muitos aspectos, a cena se assemelha àquela de Dáfnis, seja na construção (o desenvolvimento em duas etapas), seja na razão alegada para a apresentação dos objetos (evitar males maiores). Os pais adotivos de Cloé, escravos também de Dionisófanes, decidem revelar a verdade sobre a garota depois que Dáfnis fora reconhecido. Temendo que a menina fosse impedida de se casar com ele, por ser pastora, e porque os dois planejassem namorar escondidos (4.30), Drias decide levar ao patrão os objetos de reconhecimento, pedindo-lhe auxílio na busca pelos pais de Cloé, para que, desse modo, quem sabe, ela se revelasse à altura de Dáfnis e digna do casamento:
– Uma necessidade igual (Ὁμοία ἀνάγκη) à de Lâmon me obriga a falar de coisas até agora ocultas. Cloé, esta aí, eu não a gerei nem a nutri, mas outros a geraram; e exposta na gruta das Ninfas, uma ovelha a nutriu. Eu próprio vi isso e ao vê-lo me admirei; e admirado a criei. Também sua beleza (κάλλος) é testemunha disso, pois em nada se parece conosco. Também os objetos de reconhecimento (γνωρίσματα) são testemunha, pois mais ricos (πλουσιώτερα) do que de pastores. Vejam-nos e procurem os pais da garota, a fim de que ela um dia se revele digna de Dáfnis. (D&C, 4.30.3-4)
Drias fala ao patrão sobre a exposição e destaca, para confirmar a veracidade dos fatos, a beleza da garota, que “em nada se parece conosco”, fazendo valer uma ideia já apresentada na ocasião do reconhecimento de Dáfnis, em que a beleza do filho contrasta com os pais e é, portanto, um sinal de identidade elevada. Menciona em seguida os objetos com ela achados, outro índice de uma origem rica, e não camponesa. Ele exibe finalmente os objetos, pensando que a garota possa se mostrar “digna de Dáfnis”, uma vez revelada sua família, cabendo a Dionisófanes decidir a questão:
Nem Drias lançou isso sem razão nem Dionisófanes o ouviu com negligência, mas com um olhar para Dáfnis, vendo-o empalidecer e chorar escondido, flagrou rápido a paixão. E como temesse pelo próprio filho mais do que pela filha de outrem, examinou as palavras de Drias com todo rigor. Uma vez que também viu os objetos de reconhecimento (γνωρίσματα) trazidos, as sandálias cobertas de ouro, as tornozeleiras, o diadema, depois de chamar Cloé, recomendou-lhe que não temesse, uma vez que já tinha um esposo e que rápido ela também encontraria seu pai e sua mãe. E Cleariste acolhendo-a ajeitou-a doravante como esposa do filho, ao passo que Dionisófanes, retirando-se com Dáfnis apenas, perguntou-lhe se ela era donzela. Depois que ele jurou que nada acontecera além de beijos e promessas, com alegria pela jura comum, levou-os para cear. (D&C, 4.31)21
O patrão ouve a declaração do pastor e flagra a paixão do filho, que tentava esconder o choro diante dos presentes. Destaquemos, para enfatizar o contraste entre as cenas, a variação no fato de que Cloé está presente na ocasião da exibição dos objetos (diferentemente de Dáfnis, que estava ausente). Mas Drias, assim como Lâmon, primeiro fala sobre os objetos, só depois os apresenta, jogando com as duas espécies ordenadamente, a segunda e a primeira (declaração e sinais), repetindo o modelo da cena anterior. O patrão examina com cuidado as palavras de Drias, temendo mais por Dáfnis do que por Cloé. Então, diante dos sinais – “as sandálias cobertas de ouro, as tornozeleiras, o diadema” –, chama Cloé e lhe promete o filho como esposo, afirmando que acharia os pais dela. A Dáfnis, discretamente, pergunta em seguida sobre a virgindade da pastora, o que sugere que a negativa representaria um problema. Note que estamos diante da valorização da virgindade própria do romance antigo ou mais precisamente do tópos da virgindade, na expressão de Pena (Aquiles Tácio, 2005, p. XXXIX).
Destaquemos que Dionisófanes, que temia pelo filho, isto é, temia pelo enlace do filho com uma pastora, se compromete com a realização das bodas, depois de ver os gnorísmata, porque eles, por sua opulência, garantiam a boa ascendência da noiva, mesmo com sua origem ainda ignorada.
Outro contraste com a cena anterior: dessa vez, o árbitro não é um parente, como o pai na cena de Dáfnis (ou o avô em A arbitragem, de onde Longo deriva sua solução), mas apenas alguém que pode encontrá-los. De qualquer modo, o reconhecimento ainda não está completo. Destaquemos, contudo, que a cena já mobiliza uma declaração (segunda espécie) e sinais (primeira espécie), evidentes nos objetos mas também na beleza da pastora, evocada como elemento de identidade, de sua ascendência nobre.
A motivação para o reconhecimento, todavia, tem a ver com o enredo, a quinta espécie aristotélica: Drias (re)age para superar o obstáculo colocado entre Dáfnis e Cloé, representado pelo novo status do garoto: como destaca Montiglio (2013, p. 104), Longo inverte um lugar-comum (da comédia) em que o reconhecimento de uma origem melhor faculta a sorte no amor; na obra, a troca de status de Dáfnis tem a força de afastar os protagonistas. O primeiro reconhecimento não desata o nó, nem lança um apaixonado nos braços do outro, mas, ao contrário, sugere a impossibilidade de casamento. Por esse motivo é que Drias age, para superar o novo obstáculo colocado. Notemos, pois, que as ações é que determinam a tomada de atitude de Drias, o que integra muito bem a cena no conjunto do enredo.
Em busca dos pais da garota, Dionisófanes parte com toda a família para a cidade. Lá, em sonho deliberativo, contempla as Ninfas e um Eros dócil, que depõe as armas e o orienta sobre como proceder em relação à garota (4.32): deve ele, em um banquete com os melhores de Mitilene, mostrar os objetos aos convivas numa bandeja de prata, depois do último brinde. Nesse momento, os pais de Cloé serão conhecidos. Ele faz então o que o deus manda e Mégacles, um velho cheio de vigor, se manifesta:
Quando já era noite e fora enchida a última taça com a qual libaram a Hermes, um dos servos trouxe sobre uma bandeja de prata os objetos de reconhecimento (γνωρίσματα) e passou a mostrá-los a todos, levando-os da esquerda para a direita.
Nenhum dos outros, então, os reconheceu. Mas um certo Mégacles, que por causa da idade tinha
– O que são estas coisas que vejo? É você que me aparece, filhinha? Acaso também você vive ou algum pastor recolheu apenas estas coisas, depois de achá-las por acaso? Eu rogo, Dionisófanes, diga-me: de onde você tirou os objetos de reconhecimento (γνωρίσματα) de meu bebê? Não se oponha a que, depois de Dáfnis, também eu encontre algo... (D&C, 4.34.3-4.35.2)
O velho reconhece os objetos e, além da menção aos campos, local de fato da exposição, refere-se à criança como menina, “filhinha” (θυγάτριον), o que está correto. Mas é preciso algum cuidado, pois toda a cidade sabia que Dionisófanes procurava o pai da pastora, noiva do filho, e por isso um impostor poderia se apresentar como seu pai. Dionisófanes ordena então que Mégacles conte os detalhes da exposição. O ancião relembra que, no passado, em decorrência da pobreza, decidiu abandonar na gruta das Ninfas a filhinha que lhe nascera. Mas não para a morte: para que fosse recolhida e criada por alguém de mais sorte:
– Outrora meu recurso era minguado, pois gastei o que eu tinha com coregia e trierarquia. Quando as coisas estavam assim, eis que me nasce uma filhinha. Por relutar em criá-la na pobreza, ornada com tais objetos de reconhecimento (γνωρίσμασι), eu a abandonei, sabendo que é assim que muitos se esforçam para se tornar pais. E ela ficou jazendo na gruta das Ninfas confiada às deusas, enquanto para mim a riqueza retornava a cada dia, sem que eu tivesse herdeiro. Não tive mais, então, a felicidade de tornar-me pai, nem mesmo de uma menininha, mas os deuses, como que fazendo de mim objeto de escárnio, eis que de noite enviam-me um sonho, mostrando que uma ovelha me faria pai. (D&C, 4.35.3-5)
A coincidência entre os relatos do convidado e do pastor Drias confirmam, sem mais problemas, a veracidade dos fatos para Dionisófanes, que assumira a função de juiz da questão: Mégacles é o pai de Cloé. A imagem do sonho também acaba por ser decifrada: não havia escárnio divino na imagem da ovelha-mãe, mas manifesta decisão dos deuses de manter viva a filha sob os cuidados de uma ovelha. Dionisófanes se dá por satisfeito com a explicação, entrega-lhe Cloé com os objetos e pede a Mégacles que a conceda em casamento a Dáfnis. E completa, com alegria: “Ambos nós abandonamos, ambos nós encontramos, de ambos cuidaram Pã e as Ninfas e Eros.” (4.36.2) Os pais de Cloé, Mégacles e Rode, concordam com o casamento, como seria natural, e a questão dos reconhecimentos está resolvida, com a revelação das origens dos protagonistas.
Destaquemos que a exposição de Cloé, diferentemente da de Dáfnis, tem sua razão na pobreza (ainda que momentânea) de Mégacles, que empobrecera por causa de despesas que teve que assumir, por ser de família nobre, com gastos ligados à cidade, custeando coros teatrais e equipamentos náuticos. Trata-se daquele caso explicitado por Veyne (2012, p. 22), em que a exposição decorre não de uma pobreza absoluta, mas do desejo de não ver os filhos educados de modo medíocre, o que lhes impediria o acesso a uma vida digna. Notemos ainda que o motivo da pobreza mais dignifica do que rebaixa o personagem, pois mostra seu valor como homem honrado diante das questões públicas, garantindo, com isso, que o perdão pela exposição seja ainda mais certo do que no caso de Dáfnis, abandonado no seio da abundância e para a morte. Talvez por isso não haja aqui, entre pai e filha (a mãe apenas acompanha a cena), um pedido de perdão feito pelo pai, porque Cloé não fora abandonada para a morte, mas para ser recolhida, o que de fato aconteceu; com ela havia não entáphia (“objetos sepulcrais”), mas verdadeiros gnorísmata (“de reconhecimento”). Percebamos, mais uma vez, que se Longo espelha um reconhecimento no outro, varia inserindo ligeiras diferenças, como a razão da exposição, decorrente da pobreza, e o desejo de que o bebê, mesmo abandonado, vingasse.
Dentro da teoria aristotélica, temos na cena de Cloé a ocorrência dos sinais, os gnorísmata; como não poderia deixar de ser, são esses sinais, a primeira espécie na Poética, os elementos básicos que confirmam a identidade da personagem. Percebamos que os objetos têm aqui uso diferenciado: no reconhecimento de Dáfnis, eles foram apresentados aos pais verdadeiros, na ausência de Dáfnis; no de Cloé, eles primeiro são apresentados ao patrão (logo sogro), só depois aos pais verdadeiros. Também as situações são distintas: lá, em uma conversa na casa de campo, com desdobramentos no parque (quando Dáfnis quase se lança do promontório); aqui, no campo, inicialmente, depois em um banquete na cidade.
Também neste caso os objetos são acompanhados da declaração (segunda espécie): do pastor, na primeira parte da cena, com os detalhes da recolha do bebê; de Mégacles, na segunda parte. A declaração deste último é necessária, pois é preciso haver coincidência entre as informações do pai de Cloé e as do pastor Drias (ambas ouvidas por Dionisófanes), para que a revelação da identidade se mostre plausível, para que se revele o parentesco de Cloé com Mégacles. Naturalmente, raciocínio e memória estão presentes: Mégacles lembra, raciocina e reconhece, sendo depois instado a descrever as circunstâncias da exposição; do mesmo modo, Dionisófanes relaciona os relatos do pastor de Mégacles, raciocina e confirma a identidade de Cloé.
Mas é importante destacar que são as próprias ações que encaminham o reconhecimento (a quinta espécie), como ocorre com o reconhecimento de Dáfnis: como argumenta Drias, foi uma “necessidade” (anánkhe), necessidade essa “igual” (Homóia) a de Lâmon, que o obrigou a agir, já que Cloé poderia ser preterida como pretendente quando, na verdade, era digna de bodas com Dáfnis. O termo anánkhe (“necessidade”) ocorre amiúde na Poética, como na passagem já citada do capítulo XI, por exemplo (“o princípio da verossimilhança e da necessidade”, anankhaîon); no texto de Longo, sua presença garante o encaixe aristotético do reconhecimento com as outras partes do enredo, validando assim um princípio da Poética cuja alusão pode estar no horizonte do escritor, já que a obra do estagirita e seus princípios eram conhecidos por romancistas como Cáriton, por exemplo, como nos informa Duarte (Cáriton, 2020, p. 190). Além disso, ao afirmar que se trata de uma necessidade “igual” a de Lâmon, a cena acaba iluminando a anterior, confirmando que ambos os reconhecimentos decorrem “dos próprios acontecimentos” (Aristóteles, 1455a15, 2007, p. 72), de uma necessidade interna do enredo. Considerando ainda esse ponto, temos que afirmar que o reconhecimento acarreta, outra vez, uma peripécia: como Cloé estivesse em vias de ser alijada do casamento com Dáfnis, as ações resultantes do reconhecimento de Cloé, com a exibição dos objetos, têm a força de realinhar o enredo na direção do matrimônio.
Devemos concordar, em parte, com os argumentos de Montiglio (2013, p. 103) a respeito das cenas de reconhecimento em Dáfnis e Cloé:
Longo de fato mostra pouco interesse pelos reconhecimentos em si, isto é, pelo funcionamento de seu desdobramento. Ambas as cenas de reconhecimento são simples e apressadas. Os sinais, que não desempenharam nenhum papel na narrativa exceto como um lembrete repetitivo e estático da origem elevada das crianças, em ambas as cenas são exibidos mecanicamente. [...] O tratamento apressado dos reconhecimentos sugere que os detalhes técnicos de sua encenação não excitaram a imaginação de Longo.
Mais do que no desdobramento dos reconhecimentos, Longo está interessado no que acontece no meio.22
Concordo com a estudiosa quanto ao papel dos gnorísmata na narrativa, que cumprem a função de “lembrete repetitivo e estático” de que os protagonistas não são meros pastores. Como ela mesma destaca (Montiglio, 2013, p. 103), a possibilidade de roubo dos objetos (aventada por Lâmon, na ocasião em que encontrou o bebê, e também sugerida por Mégacles), se aparece na obra, é, todavia, “atropelada” pela confiança na veracidade dos fatos (e de fato os objetos nunca trocaram de mãos). Será necessário, para redimir Longo quanto a estes detalhes, evocar os argumentos de Duarte, que parafraseio a seguir (2012, p. 200-1, especialmente nota 21), diante de usos frágeis do recurso: o reconhecimento literário é algo convencional, em que predomina não o realismo, mas o artifício literário, não a racionalidade, mas a lógica da eficácia; ainda que suas bases possam ser questionadas (como costuma fazer Eurípides, por exemplo), sempre prospera a crença na veracidade dos elementos envolvidos em sua revelação. À luz de tais ideias, podemos considerar que Longo, mesmo sugerindo problemas inerentes à questão dos reconhecimentos (com a hipótese do roubo dos objetos e a possível associação dos objetos com outros “bebês”, por exemplo), não pretende seguir outro caminho senão o da convenção.
Não me parece que as cenas de reconhecimento sejam “simples”, nem mesmo “apressadas”, como afirma Montiglio, pois elas se encaixam – como demonstramos – de modo complexo na narrativa e não acontecem prontamente, mas são preparadas por etapas. Dáfnis é reconhecido em ausência, de modo que o reconhecimento precisará ter novo desdobramento; os objetos de Cloé chegam primeiro às mãos do patrão, para depois alcançarem seus pais. E como a narrativa já se encaminhava para o termo, uma maior concentração de detalhes talvez ofuscasse o grande evento da obra, o final feliz dos protagonistas.
Conclusão: reconhecer para casar
Como já dissemos, muitos reconhecem que Dáfnis e Cloé difere dos outros quatro romances da vertente a que pertence porque nele “está praticamente eliminada a componente das viagens, comum a todos os outros” (Pinheiro, 2005, p. 22). Na obra de Longo, se temos uma viagem, trata-se de uma viagem sentimental, uma “viagem metafórica até Eros” (Montiglio, 2013, p. 92), no campo da alma e das emoções, de descoberta do amor. O próprio narrador nos dá essa chave interpretativa quando, depois de salvar Dáfnis, no Livro Primeiro, de dois perigos literais, “pirataria e naufrágio” (λῃστηρίου καὶ ναυαγίου, 1.31.1), não o salva, todavia, de um outro perigo, este metafórico: “a pirataria de Eros” (τὸ Ἔρωτος λῃστήριον, 1.32.4). Essa pirataria, esse assalto à alma de um amante, é o tema principal da narrativa. Nas palavras de Sanches e Güemes:
O erotismo é o centro do romance sem a menor dúvida, e seu núcleo, a paixão inocente e natural de dois adolescentes. Pode-se criticar, de uma perspectiva realista, a escassa verossimilhança dessa total inocência, por mais rural e isolado que seja o meio em que os protagonistas vivem: daí que Longo tenha sublinhado ambos os aspectos e, igualmente, o modo bem gradual em que se vão produzindo seus contatos com outras pessoas e a ampliação de seu pequeno mundo. De outro lado, a trabalhosa conquista da experiência erótica, no plano teórico e no plano prático, não conduzirá, no que se refere aos dois adolescentes, à união sexual senão depois do legítimo matrimônio com que o romance termina, com o que se cumpre tanto uma imposição social como as normas de gênero. (Longo, 1997, p. 11-2)23
Como afirmam os estudiosos, a união dos protagonistas só pode ocorrer dentro do casamento, para que se cumpra “tanto uma imposição social como as normas do gênero”. Imposição social e convenção literária: Vieillefond (Longus, 2010, p. CXLI) expressa as mesmas ideias ao afirmar que Cloé “deve chegar intacta à noite de núpcias”, por ser essa “uma regra geral do romance grego”. Ambas as afirmações se referem ao já mencionado tópos da virgindade ou ao “princípio romanesco da castidade”, nas palavras de Sanches e Güemes (Longo, 1997, p. 12), princípio esse que “as leis do romance prescrevem rigorosamente” (Pena em Aquiles Tácio, 2005, p. XXXIX). A despeito disso, em Longo, a castidade se restringiu à figura feminina, já que Dáfnis precisou ser iniciado antes por uma mulher madura (por Licênion, em 3.18), para que fosse capaz de iniciar sua amada posteriormente. Notemos, contudo, que o casamento dos protagonistas e a experiência sexual só podem ocorrer na obra depois de reveladas as suas identidades verdadeiras. Enfim, sem anagnórisis, sem casamento; sem casamento, sem final feliz:
O reconhecimento da identidade familiar é necessário para que o amor verdadeiro seja o amor de um herói e de uma heroína de romance, pois somente se Dáfnis e Cloé forem da camada superior da sociedade poderão amar como amam. (Montiglio, 2013, p. 94)24
A importância das cenas de reconhecimento em Dáfnis e Cloé deve-se não apenas à sua relação com a peripécia e ocasionalmente com a hamartía (o risco de cometê-la) e o páthos, mas porque o próprio princípio romanesco de final feliz depende delas. É por meio dos reconhecimentos que os pastores comprovam que são dignos protagonistas de uma narrativa romanesca: por um lado, os reconhecimentos revelam o pertencimento a uma camada superior, e urbana, da sociedade, o que alinha nossos heróis aos protagonistas dos outros romances idealizados; por outro, confirmam o padrão romanesco de valorização da castidade, bem como a legitimidade do casamento, entendido aqui como o único espaço em que o amor dos protagonistas pode encontrar completude e aceitação social – no casamento é que “eles poderão amar como amam”. E a confirmação das identidades acontece a três parágrafos do fim da obra, mantendo a tensão narrativa: somente depois da última anagnórisis, a de Cloé, temos de fato as condições necessárias para o enlace legítimo dos protagonistas, em conformidade com o fundo moral do romance e de acordo com sua convenção narrativa.25
Referências
AQUILES TÁCIO. Leucipe e Clitofonte. Prefácio de Marília Pulquério Futre Pinheiro. Tradução do grego, introdução e notas de Abel do Nascimento Pena. Lisboa: Cosmos, 2005.
ARISTÓFANES. Duas comédias: Lisístrata e as Tesmoforiantes. Tradução, apresentação e notas de Adriane da Silva Duarte. São Paulo: Martins Fontes: 2005.
ARISTÓTELES. Poética. Prefácio de Maria Helena da Rocha Pereira. Tradução e notas de Ana Valente. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007.
ARISTOTLE. Ars Poetica. Edited by Rudolf Kassel. Oxford: Clarendon Press, 1966.
BRANDÃO, Jacyntho Lins. A invenção do romance. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2005.
CÁRITON. Quéreas e Calírroe. Tradução, apresentação e posfácio de Adriane da Silva Duarte. São Paulo: Editora 34, 2020.
CÁRITON. Quéreas e Calírroe. Apresentação de Marília Pulquério Futre Pinheiro. Tradução, introdução e notas de Maria de Fátima de Sousa e Silva. Lisboa: Cosmos, 1996.
DUARTE, Adriane da Silva. As cenas de reconhecimento na Poesia Grega. Campinas: Editora da Unicamp, 2012.
DUARTE, Adriane da Silva. Erotiká gnorísmata: o reconhecimento do amado em Heliodoro. Clássica (Brasil), v. 24, n. 1/2, p. 103-12, 2011.
EURIPIDES. Euripidis fabulae. Edited by Gilbert Murray. Oxford: Clarendon Press, 1913. v. 2.
HOLZBERG, Niklas. The Ancient Novel. An introduction. Translated by Christine Jackson-Holzberg. London; New York: Routledge, 2005 (1a edição alemã 1986).
LONGO. Dafnis y Cloe. AQUILES TACIO. Leucipa y Clitofonte. JÂMBLICO. Babiloníacas. Introducciones, traducciones y notas de Máximo Brioso Sanches y Emilio Crespo Güemes. Madrid: Gredos, 1997 (1ª edição 1982).
LONGUS. Pastorales. Daphnis et Chloé. Texte établi et traduit par Jean-René Vieillefond. Paris: Les Belles Lettres, 2010 (1ª edição 1987).
LONGUS. Daphnis and Chloe. XENOPHON OF EPHESUS. Anthia and Habrocomes. Edited and translated by Jeffrey Henderson. Cambridge; London: Harvard University Press, 2009.
MENANDER. Perikeiromene or The shorn head. Edited with introduction and commentary by William Furley. London: University of London, 2015.
MENANDER. Epitrepontes. Edited with introduction and commentary by William Furley. London: University of London, 2009.
MENANDRO. Comedias. Introducciones, traducciones y notas por Pedro Bádenas de la Peña. Madrid: Gredos, 1986.
MONTIGLIO, Silvia. Love and Providence. Recognition in the Ancient novel. Oxford: Oxford University Press, 2013.
PATON, William Roger. The Greek Anthology. Books I-VI. With an English translation by William Roger Paton. Cambridge; London: Harvard University Press, 1993 (1ª edição 1916).
PINHEIRO, Marília Pulquério Futre. Origens gregas do romance. In: OLIVEIRA, Francisco; FIDELI, Paolo; LEÃO, Delfim (org.). O romance antigo: origens de um gênero literário. Coimbra: Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos, 2005, p. 9-32.
RIBEIRO Júnior, Wilson Alves. A Poética de Aristóteles: anagnórisis e exempla. Anais de Filosofia Clássica, v. 3, n. 5, p. 55-65, 2009.
SILVA, Luiz Carlos André Mangia. Dáfnis e Cloé, de Longo de Lesbos – Livro Primeiro: Tradução. Rónai: Revista de Estudos Clássicos e Tradutórios, Juiz de Fora, UFJF, v. 7, n. 1, p. 159-78, 2019.
SILVA, Luiz Carlos André Mangia. Dáfnis e Cloé, de Longo de Lesbos – Livro Segundo: Tradução e comentário. Rónai: Revista de Estudos Clássicos e Tradutórios, Juiz de Fora, UFJF, v. 8, n 2, p. 116-42, 2020.
VEYNE, Paul (org.). História da vida privada. Do Império Romano ao ano mil. Tradução de Hildegard Feist. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. v. 1. (1ª edição 1985).
XENOFONTE DE ÉFESO. Ântia e Habrócomes. Prefácio de Marília Pulquério Futre Pinheiro. Tradução, introdução e notas de Vítor Ruas. Lisboa: Cosmos, 2000.
Notas