Artigos

As arengas militares nas Helênicas de Xenofonte

The military harangues in the Hellenika of Xenophon

Emerson Cerdas
Unesp/Araraquara, Brasil

As arengas militares nas Helênicas de Xenofonte

Classica - Revista Brasileira de Estudos Clássicos, vol. 36, pp. 1-22, 2023

Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos

Recepción: 31 Diciembre 2022

Aprobación: 03 Marzo 2023

Resumo: As arengas militares – discursos de exortação antes das batalhas – tornaram-se parte integrante da escrita das obras historiográficas antigas, especialmente a partir do modelo criado por Tucídides, que fez de tais discursos uma forma de explicitar as justificativas e as táticas bélicas apresentadas ao narrar os eventos. Nesse sentido, há uma íntima relação entre o discurso (λόγοι) e as ações (ἔργα), e a presença desse tipo de discurso evidencia, por relações de estabilidade ou instabilidade, a interpretação que o historiador dá ao evento como um todo, justificando e explicando a vitória ou a derrota. Xenofonte, nas Helênicas, faz pouco uso desse expediente narrativo, e tal procedimento parece ancorar-se na sua falta de crença nesse artifício como efetivo mecanismo para instaurar coragem e disposição nas tropas, conforme é apresentado na Ciropedia. Dessa forma, o objetivo desse artigo é analisar as arengas militares nas Helênicas de Xenofonte, buscando compreendê-las como se relacionam com os eventos narrados pelo historiador e de que modo elas ajudam a evidenciar aspectos para a compreensão das cenas em que estão envolvidas.

Palavras-chave: Xenofonte, discurso, arenga militar.

Abstract: Military harangues, exhortation speeches before battles, became an integral part of the writing of ancient historiographical works, especially following the model created by Thucydides, who made with such speeches a way of elucidating the justifications and war tactics of the battles presented in the events narrated. In this sense, there is an intimate relationship between discourse (λόγοι) and actions (ἔργα), and the presence of this type of discourse shows, through relations of stability or instability, the interpretation that the historian gives to the event as a whole, justifying and explaining the victory or the defeat. Xenophon, in the Hellenika, makes little use of this narrative device, and this procedure seems to be anchored in his lack of belief in this artifice as an effective mechanism to establish courage and willingness in the troops, as presented in Cyropaedia. Thus, the purpose of this article is to analyze the military harangues in Xenophon, specifically in Hellenika, seeking to understand how they relate to the events narrated by the historian and how they can help to highlight aspects for the understanding of the scenes in which they are involved.

Keywords: Xenophon, speech, military harangues.

As arengas antes das batalhas (παραίνεσις ou παρακέλευσις) tornaram-se um elemento característico da escrita da historiografia antiga, presente na obra da maioria dos historiadores greco-romanos. Todavia, tais discursos tiveram pouca atenção dos manuais de retórica antiga1 e, diferentemente de outros gêneros discursivos, careceram de uma sistematização retórica. Essa diferença de tratamento levou alguns estudiosos modernos a questionarem não apenas a veracidade dos discursos preservados pelos historiadores, como também a própria existência dessa prática de discursar aos soldados antes da batalha,2 considerando, por isso, que as arengas militares eram, sobretudo, produto ficcional do gênero historiográfico. Para isso, os historiadores teriam tomado como exemplo e modelo as arengas épicas narradas por Homero e as foram desenvolvendo literariamente até atingirem um status próprio dentro da historiografia.

De fato, saber se os discursos preservados pelos historiadores antigos, quaisquer que sejam a sua forma, foram ou não ditos ipsis litteris parece bastante especulativo e hipotético, sem que seja possível chegarmos a uma conclusão definitiva e objetiva sobre isso.3 Entretanto, a prática de proferir discursos aos soldados antes das batalhas com o intuito de infundir coragem e aumentar a moral das tropas é bem atestada tanto na literatura polemológica4 quanto pelos próprios historiadores antigos, especialmente Tucídides, Xenofonte e Políbio. Estes historiadores também foram, em algum momento de suas vidas, soldados e, portanto, conheciam de perto os hábitos e práticas das tropas gregas em campo de batalha; por conseguinte, nos parece bastante sugestivo que tais autores tenham incluído em suas obras as arengas.

Neste sentido, a παραίνεσις historiográfica nos parece, como todos os tipos de discursos presente nos historiadores gregos, estilizações literárias de uma prática discursiva real, mas adaptada de acordo com as necessidades e interesses do autor. Em uma perspectiva sócio-histórica, Bakhtin (1997, p. 281) chama a atenção de que os gêneros literários são gêneros discursivos secundários, uma vez que estilizam os gêneros discursivos primários, aqueles enunciados que existem na vida real e que, pela sua estrutura razoavelmente estável, permite a comunicação entre os locutores. Assim, a verdadeira questão não é a ficcionalidade ou veracidade dos discursos, e sim a sua funcionalidade dentro da obra historiográfica e como essas arengas dialogam com o conjunto textual em que se encontram – ou seja, os eventos pré e pós discurso. O objetivo desse artigo, assim, é analisar as arengas militares em Xenofonte, especificamente nas Helênicas,5 buscando compreendê-las dentro da tessitura narrativa da obra, levando em conta que, apesar de ser esta a obra de Xenofonte que mais se aproxima do estilo tucidideano, difere-se deste pois apresenta poucas arengas militares em sua narrativa.

Os modelos

Aceita-se que o modelo das arengas historiográficas se encontra em Homero, especialmente na Ilíada,6 cujas exortações já apresentam as principais tópicas das arengas: a nobreza de dar a sua vida pela cidade, a justiça da luta, a aprovação dos deuses e a valoração da morte honrosa no campo de batalha. Nas breves intervenções exortativas, os heróis homéricos se utilizam de tópicos de valor universal visando enaltecer o corajoso e criticar o covarde.7 Talvez o melhor exemplo de arenga em Homero seja a encontrada no canto 4.234-420, em que Agamêmnon, em seu cavalo, trafega pelas linhas do exército pronto para a batalha, fazendo uma série de admoestações aos seus soldados. Nessa cena, antes da batalha, o herói se aproxima dos comandantes e faz a sua exortação compartimentando o exército em grupos menores, tornando, assim, “possível”, do ponto de vista da acústica, a sua real comunicação. É esse modelo homérico de exortação que encontramos nas poucas cenas que Heródoto dedica às arengas em suas Histórias, como o discurso de Temístocles antes da batalha de Salamina (8.83) ou o de Harmocides (9.17); nestas duas cenas, ambos os generais apelam simplesmente por um comportamento corajoso de seus soldados e a temerem uma derrota vergonhosa, um tipo de discurso generalizante que, de fato, poderia ter sido dito por qualquer general em uma situação real.

Tucídides, por outro lado, reinterpreta o uso das arengas dentro da obra historiográfica e, com isso, criou não apenas um novo sentido para seu uso, como também uma nova forma de composição de tais discursos, sem, todavia, relegar o modelo homérico, quando necessário. Conforme Iglesias-Zoido,

Tucídides, como consecuencia de su metodología histórica y de su propia visión sobre cómo se comportaban los hombres en la guerra, acabó inventando la arenga historiográfica como un medio esencial de conjugar narración y discurso y, de este modo, explicar las verdaderas razones de una victoria o de una derrota en el campo de batalla. En este contexto, la arenga aparece como un medio útil para excitar una valentía que es considerada como una virtud inherente en los hombres. (2015, p. 48)

Essa metodologia histórica se dá pela valoração e aproximação dos discursos (λόγοι) com as ações (ἔργα), com a dupla intenção de manter, o mais próximo possível, o que foi realmente dito e de explicar e justificar as ações que serão narradas na sequência. Do ponto de vista estrutural, a παραίνεσις tucidideana é distinta do modelo homérico e se distingue por ser mais desenvolvida e apresentar duas partes distintas: em uma primeira, há um caráter explicativo (διδαχή), e uma segunda exortativa, a παρακέλευσις propriamente dita. A primeira parte, a explicativa, tem como finalidade oferecer uma visão clara e convincente do contexto e da estratégia bélica que será empregada para vencer o inimigo, além de recordar situações anteriores que podem ser úteis para a sequência da batalha. Quanto a segunda parte, a exortativa, mantém-se atrelada ao modelo homérico, com o objetivo de proporcionar argumentos, baseados em sentenças e máximas, para enaltecer o ânimo e a moral dos combatentes, animando-os a preferir a bela morte ao invés de uma vida vergonhosa, com frases generalizantes que podem ser utilizadas nos mais variados contextos. Ainda conforme Iglesias-Zoido (2008, p. 27),

Así, la “instrucción” (διδαχή), sobre todo en las arengas más amplias, constituye una línea de argumentación en la que el ejemplo de los antepasados se mezcla con consideraciones concretas de tipo estratégico (παρασκευή) propias del tema deliberativo de la guerra, en donde tópicos como lo “conveniente” (συμφέρον) y lo “posible” (δύνατον) juegan un papel decisivo. Por otro lado, es en la sección propiamente exhortativa en la que se ponen en práctica, de manera preferente, una serie de argumentos de carácter general que pretenden convencer a los soldados de que van a emprender una acción respaldada por los dioses (δίκαιον) y honorable (καλόν), en la línea de la sección protréptica del epitafio. Dicho de otro modo, en la argumentación de las arengas tucidideas hay que distinguir entre una parte explicativa, que suele estar condicionada por el contexto narrativo del discurso, y otra exhortativa, que suele ser una sección final llena de generalizaciones, sentencias e imperativos, y que, por su naturaleza, es fácilmente intercambiable de unos casos a otros.

A partir dessa estrutura, Tucídides criou e recriou diversos tipos de discursos, adequando-os de acordo com as suas necessidades narrativas, e tornou-se modelar para os historiadores subsequentes. O principal exemplo desse tipo de arenga tucidideana é apresentada no discurso de Brasidas, no livro 4.126, em que o general espartano, percebendo o temor dos seus soldados peloponésios antes da batalha com os ilírios, combina instruções e exortações para aumentar a moral de seus soldados. Na parte explicativa, Brasidas elenca os motivos estratégicos que favorecem os seus soldados, a fim de também com isso exaltar seu ânimo, e a narrativa posterior da batalha mostrará a verdade de suas palavras e a validade de sua estratégia. Assim, diz Brasidas que o melhor não é lutar diretamente, mas usar a estratégia de fingir uma retirada, para que os inimigos, acreditando que os gregos estivessem com medo deles e por isso fugiam, se lançassem com ímpeto, pois aí eles se desorganizariam, já que, na visão do general, não havia uma força organizada entre os ilírios e o poder deles era apenas aparente. Ao criar essa situação, se revelaria as fraquezas deles e os espartanos os derrotariam. Depois do fim do discurso de Brasidas, diz o narrador em 4.127:

Com estas palavras de recomendação, Brásidas iniciou a retirada do seu exército. Quando os Bárbaros viram isto, avançaram em grande gritaria e confusão, pensando que ele ia fugir e podiam tomar conta do exército dele e destruí-lo. [2] Mas onde quer que atacassem, as tropas, que tinham sido escolhidas, repeliam o ataque e o próprio Brásidas com seus homens susteve o assalto e, assim, para a surpresa dos inimigos, os Lacedemônios aguentaram o ataque e continuaram a defender-se e quando as investidas pararam, não cessaram a retirada.8

Percebe-se, na leitura do conjunto (arenga e narrativa), uma harmonização entre os dois tipos de discurso, pois, se de um lado, a arenga explica e justifica a narração da batalha, por outro, esta demonstra a validade ou não especialmente da tática apresentada pelo general.

As arengas militares na visão de Xenofonte

Embora tido como um continuador de Tucídides nas Helênicas,9 em relação às arengas Xenofonte apresenta um tratamento diferente no uso deste gênero discursivo. Na Ciropedia, duas passagens indicam uma certa desconfiança quanto à efetividade do uso de arengas. Visto que esta narrativa apresenta um evidente caráter idealizador e ficcional, e trata-se de uma obra tardia na produção de Xenofonte,10 assume-se, em geral, que há uma tentativa do autor ateniense em criar um modelo ideal que refletiria suas opiniões e reflexões mais do que em representar a vida de Ciro, assim como os costumes persas, com fidelidade histórica.11 Assumimos que os comentários a respeito desse gênero discursivo, as arengas militares, na Ciropedia, podem ser uma chave de leitura para compreender a forma com que Xenofonte a utiliza em outras obras, pois as passagens que as discutem na Ciropedia parecem se adequar com a forma e o tratamento que esse tipo de discurso recebe nas Helênicas,12 indicando, para este ponto específico, que há uma harmonização entre as ideias apresentadas entre as duas obras. Isso não significa que apenas nas arengas militares existe a possibilidade de encontrarmos similaridades entre as ideias expressas por Xenofonte na Ciropedia e a escrita das Helênicas; da mesma forma, afirmar a harmonia entre as duas obras no que tange às arengas militares não é suficiente para adotar esse posicionamento para com os outros expedientes literários e narrativos da obra, nem quanto às visões éticas e morais do autor. Nossa proposta é utilizar, como uma ferramenta metaliterária, observações do autor em uma obra, Ciropedia, para tentar compreender o objeto de estudo deste artigo, as arengas nas Helênicas.

A primeira das passagens que merecem atenção sobre o tema ocorre no livro 1.6.19, quando o rei persa Cambises acompanha Ciro e faz uma revista dos conhecimentos do filho sobre assuntos militares, antes de este sair para a sua primeira campanha militar.

“Mas, disse Ciro, para incutir ânimo nos soldados, nada me parece mais eficaz do que conseguir infundir esperanças aos homens.”

“Porém, filho, Cambises disse, isso é como se alguém sempre chamasse na caçada os cães com o mesmo chamado, quando vê a caça. Inicialmente, eu tenho certeza de que respondem ao chamado com coragem. Mas se com frequência os engana, acabam não o obedecendo nem mesmo quando ele chama tendo-a visto de verdade. Assim também acontece com as esperanças: se alguém com frequência os engana lançando belas expectativas, nem quando anuncia esperanças verdadeiras esse tal consegue persuadir. Assim, filho, você deve evitar que você mesmo diga aquilo que não conhece com clareza, enquanto outros subordinados, falando tais coisas, podem alcançar o objetivo. É necessário que você preserve a fé em sua exortação (παρακέλευσιν) o máximo possível para os grandes perigos”.13

Nesse primeiro momento, o jovem Ciro mostra-se confiante nas exortações, ao que seu pai replica mostrando, justamente, o perigo de utilizá-las a esmo, como um recurso retórico que pode se desgastar quando usado sem algum vínculo verdadeiro com a realidade, fazendo com que os soldados perdessem a confiança nas falas do general. Isso não significa que a exortação não tenha nenhuma validade; o ensinamento de Cambises se dirige a preservar a imagem do filho, mantendo a sua παρακέλευσις apenas para os momentos de grandes perigos, enquanto em outros momentos, pede ao filho que deixe as exortações para seus subordinados. Assim, caso a realidade da batalha se mostre diferente do esperado, é a imagem do general que se arranha, não a de Ciro. É interessante nesse sentido que, embora haja muitas arengas na Ciropedia, em geral, conforme demonstram Prichett (1994) e Iglesias-Zoido (1996-2003), elas ocorrem quase sempre entre Ciro e seus principais generais, e apenas antes da batalha decisiva de Thymbara é que Ciro faz um longo discurso para todo o exército. Nesta cena, Ciro faz uma autêntica παραίνεσις para todos os seus soldados (7.1.10-4), seguindo, assim, os conselhos de preservação da imagem que o pai lhe ensinara, confiando, no entanto, aos seus subordinados a tarefa de incutir entusiasmo aos soldados. Tal moderação reflete uma preocupação com a imagem de confiança que o líder deve buscar diante dos soldados, porém não há nessa passagem uma contestação ao uso de arengas como motivação da tropa. A arenga ainda é um mecanismo necessário, ainda que deva ser usado com cautela.

Na segunda passagem (3.3.49-55) em que o tema é debatido, ao contrário, Ciro pondera o efetivo valor das belas arengas, especialmente quando dirigidas a homens que não foram devidamente treinados. Essa discussão ocorre quando Ciro se encontra com seu tenente Crisantas, logo após o inimigo dos persas, o rei assírio, proferir uma arenga para a sua tropa. Crisantas, ao se aproximar de Ciro, diz:

“Por que você, Ciro, enquanto ainda é possível, não os reúne para exortá-los, para ver se você pode tornar os soldados mais valentes?”

[50] E Ciro respondeu: “Crisantas, não se inquiete com as arengas (παρακελεύσεις) do rei assírio. Afinal, por mais bela que seja, nenhuma exortação (παραίνεσις) tornará, de uma hora para outra, corajosos homens que já não o eram, apenas por a ouvirem; ao menos não os arqueiros, se antes não se exercitaram nisso, nem os lanceiros, nem os cavaleiros, e tampouco eles tornarão seus corpos mais fortes, se não tiverem antes trabalhado para isso”.

[51] E Cristantas disse: “Mas, Ciro, basta a você, com uma exortação,14 para tornar as almas deles mais corajosas”.

“Acaso, poderia, disse Ciro, uma palavra proferida, de uma hora para outra, encher de brio as almas dos ouvintes, de desviá-las das ações vergonhosas, de excitá-las de que é preciso, com vistas ao elogio público, enfrentar todas as penas e todos os perigos, infundir firmemente em suas mentes que é preferível morrer combatendo do que salvar-se fugindo? [52] Se tais pensamentos devem se inscrever nos corações dos homens e permanecer firmes, acaso não é necessário que, em primeiro lugar, exista leis tais que, por causa delas, se forneça aos homens bons uma vida honrosa e livre, e aos maus se reserve uma existência miserável, sofrida e intolerável? [53] Em segundo lugar, penso que é preciso que existam, além das leis, mestres e magistrados que lhes mostrem a retidão, lhes ensinem e habituem-nos a segui-la, até tornar-se natural considerar os bons e nobres realmente os mais felizes, e a acreditar que os maus e ignóbeis são os mais infelizes de todos. De tal modo é preciso conduzir os que vão dar mostrar a superioridade do treinamento sobre o medo dos inimigos. [54] Se, porém, ao marchar para a batalha com as armas, quando muitos abandonam as lições antigas, nesse momento alguém pudesse, declamando como os rapsodos, torná-los de imediato homens belicosos, a coisa mais fácil de todas seria aprender e ensinar a maior virtude aos homens. [55] Eu, ao menos, não confiaria na firmeza daqueles que estão treinando conosco agora, se não visse vocês também presentes, que serão modelos para eles de como devem ser e poderão indicar-lhes caso se esqueçam de algo. Quanto àqueles que nenhum treinamento receberam a respeito da coragem, eu ficaria surpreso, Crisantas, se uma palavra proferida com beleza (λόγος καλῶς ῥηθεὶς) para infundir coragem fosse mais útil do que uma canção bem entoada para infundir musicalidade em quem não estudou música.”15

Se antes o jovem Ciro demonstrava confiança no poder de uma bela exortação, agora desdenha qualquer real eficácia proveniente desse tipo de discurso. Para Pritchett (1994, p. 71), a visão de Xenofonte/Ciro sobre a eficácia da utilização das arengas reflete uma influência filoespartana na sua concepção de exército, uma vez que os persas, retratados ficcionalmente na Ciropedia, apresentam uma profissionalização bélica, fruto de uma preparação constante para a guerra, desde a infância e juventude dos cidadãos. Conforme nos indica Tucídides (5.69), o exército espartano não fazia uso de arengas antes das batalhas, confiantes na sua educação guerreira, preferindo, no lugar de longos discursos exortativos, os cantos de guerra coletivos, admoestações individuais entre os próprios soldados e promessas de prêmios. Além disso, Ciro contrapõem a formação prévia dos soldados, que implicaria um estudo e preparação contínuas do físico e das habilidades guerreiras, ao discurso da arenga, colocado este como “uma palavra proferida de uma hora para outra” (εἷς λόγος ῥηθεὶς αὐθημερὸν), ou seja, improvisado mediante à necessidade do momento, e que, por isso, não surtiria efeito sem a formação. A ideia de que o discurso da arenga não surte efetividade pelo seu caráter de improvisação, ainda que seja, discursos belos, ressoa ainda na comparação da arenga com o discurso dos rapsodos (ἀπορραψῳδήσας) e com a arte musical. Nesse sentido, o diálogo entre Ciro e Crisantas reflete a confiança no estudo e treino contínuo das técnicas e exercícios militares. Neste caso, talvez, a arenga surtisse efeito, pois seria direcionada a indivíduos bem-preparados. Por outro lado, a arenga do rei Assírio seria um discurso exortativo que apelaria para sentimentos sem, no entanto, surtir um real efeito, já que os soldados não teriam uma formação eficaz para cumprir o pedido na arenga. Assim, enquanto a arenga do rei Assírio refletiria o comportamento da maior parte dos exércitos gregos, a perspectiva persa emularia a do exército profissional espartano, que confia mais na formação do que na exortação, mais na ação do que nas palavras.

Deve-se notar que a arenga do rei Assírio (3.3.44-45) é um discurso composto apenas de παρακέλευσις, feito de frases motivacionais endereçadas ao incentivo do comportamento corajoso na guerra e à repulsa da covardia e da fuga, com promessas de espólios aos vencedores; além disso, é dirigido para todos os seus soldados em campo aberto. Com essa mesma estrutura, é composta a arenga de Ciro proferida antes da batalha de Thymbara (7.1.10-14), momento decisivo e de grande perigo. Esta cena se trata de uma ἐπιπώλησις, uma revista das tropas em que Ciro, enquanto cavalga pelas fileiras, profere uma série de frases de caráter exortativo, assemelhando-se, assim, à arenga épica de Agamêmnon na Ilíada 4.234-420; em nenhum destes dois casos, portanto, há a parte explicativa (διδαχή) – inovação tucidideana para as suas arengas militares. Todavia, o discurso de Ciro ocorre no momento culminante da guerra, quando seus soldados já estão experimentados por uma série de batalhas e, também, passaram por um bom período de treinamento. Ou seja, o discurso exortativo, tal qual Ciro diz a Crisantas, não tem a finalidade de criar coragem nos homens, mas sim de fortalecer o ânimo de soldados já bem treinados.

As outras arengas narradas na Ciropedia16 são passagens em que Ciro se dirige diretamente a seus principais capitães e tenentes, que, por sua vez, devem repassar as instruções de Ciro para os soldados. Em 1.5.7-14, por exemplo, Ciro profere seu primeiro discurso aos homótimoi, duzentos homens da elite do exército persa escolhidos pessoalmente pelo príncipe. Destaca-se nessa fala a importância dada ao fato de esses homens da elite estarem desde a infância trabalhando pelo aprimoramento do físico e da técnica militar, o que lhes garante superioridade contra o inimigo, além de que a justiça e os deuses estão do lado dos persas. Além disso, nessa longa fala Ciro mistura às frases exortativas aspectos explicativos que, por meios racionais, buscam justificar a sua confiança no exército. Na arenga em 2.3.2-16, Ciro convoca novamente os comandantes mais destacados e os exorta sobre a necessidade do esforço para a vitória; no fim da arenga, ele levanta a questão de como se deveria premiar os soldados com os espólios, convidando os comandantes a apresentar a sua opinião para que fosse decidido em comum a melhor forma de honrar os soldados. Em 3.3.34-43, Ciro profere arengas antes da luta, dirigindo-se aos homótimoi e aos comandantes de retaguarda, focando, novamente, no conhecimento prévio que eles já possuem das táticas e da necessidade de eles se converterem em exemplos para os seus subordinados no campo de batalha. Na arenga em 4.2.21-26, Ciro se dirige aos comandantes persas, medos e hircanos antes da batalha contra os assírios, e destaca-se, nessa arenga, a parte explicativa em que Ciro indica a forma com que cada comandante deveria transmitir aos seus homens as ordens dadas. Em 6.2.14-20, Ciro, antes da batalha de Sárdis, reúne seus comandantes na sua tenda particular para exortá-los, preocupado que o medo se instalasse entre eles, destacando elementos favoráveis para a batalha. Enfim, em 6.4.12-20, horas antes da batalha de Sárdis, já com os soldados perfilados, Ciro convida novamente seus comandantes e pede a eles que lembrem aos seus subordinados aquilo que ele mesmo os está lembrando na arenga.

Ao se dirigir a homens experimentados e conhecedores da arte bélica, essas arengas, em nossa opinião, mesclam, como nos discursos de Tucídides, o elemento explicativo (διδαχή) com o exortativo (παρακέλευσις). No entanto, o elemento explicativo não são instruções de estratégias que iluminam e explicam a narrativa que será narrada em seguida, e sim instruções efetivas a respeito da forma como seus comandantes devem repassar as informações e encorajar os seus soldados. Além disso, Ciro, nestas arengas, busca justificar suas exortações com explicações fundamentadas na experiência vivida nas cenas narradas anteriormente, como, por exemplo, em 6.4.12, quando Ciro inicia o discurso em 6.4.12 comentando que os sinais divinos agora são idênticos aos que receberam na primeira vitória, e completa: “Quero fazer vocês relembrarem de coisas que, me parece, farão vocês partir para o confronto com muito mais entusiasmo” (No original: ὑμᾶς δ’ ἐγὼ βούλομαι ἀναμνῆσαι ὧν μοι δοκεῖτε μεμνημένοι πολὺ ἂν εὐθυμότεροι εἰς τὸν ἀγῶνα ἰέναι). Na sequência, Ciro afirma que eles estão, agora, mais exercitados do que antes e do que os inimigos, já que se mantiveram unidos e em fileiras por bastante tempo. A própria repetição dos verbos de rememoração, nesta passagem, indica, em alguma medida, o caráter profissional e especializado desses homens, uma vez que Ciro não sente necessidade de esclarecê-los sobre a tática, e sim apenas relembrar aquilo que já sabem, por treinamento ou por experiência.

Verifica-se, assim, que para o Ciro de Xenofonte há uma desconfiança na efetividade real da arenga pré-batalha, especialmente quanto a real influência na disposição moral dos soldados. Além disso, nota-se que diferentes tipos de arengas exortativas são utilizados de acordo com o contexto narrativo em que elas estão inseridas. O contexto em que são proferidas as arengas determinam o tipo de discurso utilizado pelo general: para quem o general está falando (as tropas ou os comandantes de elite), em pequenas reuniões ou com as fileiras dos soldados postas para a batalha, proximidade ou não da hora da batalha, situação de perigo extremo diante do inimigo, etc.; todos esses são elementos que devem ser levados em conta na análise da composição e funcionalidade das arengas dentro da narrativa historiográfica. Hansen (1998, p. 59-60), neste sentido, ao valorizar o aspecto literário das arengas nas principais obras historiográficas da Antiguidade, propôs uma tipologia que distingue quatro tipos de discursos exortativos às tropas:

1) Discurso de um general a um grupo reduzido de oficiais antes que o exército se enfileire para a batalha. Na sequência, esses oficiais devem reproduzir o discurso do general às suas unidades.

2) Discurso prévio à ordem de batalha, em que o general convoca uma assembleia das tropas e se dirige a todo o exército antes que formem as fileiras ou embarquem nos navios.

3) Discurso diante do exército em formação, com o general percorrendo as fileiras dos seus soldados, se utilizando de frases gerais e breves para a exortação, forma esta que, segundo Hansen, mais se aproximaria da forma real de fazer exortações.

4) Discurso completo do general diante de todo o exército em formação, pronto para a batalha.

A partir desta tipologia, percebe-se, como já analisou Iglesias-Zoido (1996-2003), que as arengas da Ciropedia se enquadram no grupo 1, com exceção da arenga do livro 7, em que Ciro profere frases curtas e breves diante das tropas formadas, que se enquadra no grupo 3 – como a cena de Agamêmnon, na Ilíada, citada anteriormente. Não por acaso, esta última arenga apresenta-se no momento culminante da guerra que conduzirá a Pérsia a se tornar um grande Império, o que dá à própria batalha um tom épico e grandiloquente.

Passaremos, assim, a partir destes comentários iniciais, a analisar as arengas militares nas Helênicas, buscando por meio dos exemplos desta narrativa tentar identificar como se aplicam os ideais expressos na Ciropedia no que se refere às arengas e como se adequam as arengas nos contextos em que são preferidos.

As arengas militares nas Helênicas

Nas Helênicas há alguns discursos completos dirigidos pelos generais aos soldados, porém apenas dois deles podem ser considerados de fato arengas antes das batalhas: o discurso de Trasíbulo antes da batalha de Muníquia (2.4.13-17) e o discurso de Arquídamo na luta contra os arcádios (7.1.30). Essa delimitação se dá pelo contexto em que são preferidos os discursos: a iminência da batalha. É valido notar, antes de analisar os dois discursos completos, que há algumas poucas passagens na obra em que o narrador se refere às exortações dos generais aos soldados, sem, no entanto, apresentar o discurso proferido por eles ou apenas fazendo um resumo do conteúdo em discurso indireto:

a-) 1.1.6: “Farnabazo foi socorrê-los, e, entrando com o cavalo no mar até onde era possível, lutava e exortava (παρεκελεύετο) os demais, tanto os da cavalaria quanto os da infantaria.”17

b-) 1.1.14: “Nesse dia, permaneceram ali, mas no seguinte, Alcibíades reuniu uma assembleia e exortou (παρεκελεύετο) que seria necessário tanto o combate por mar e por terra, quanto ao redor das muralhas, ‘pois, disse, enquanto não há dinheiro para nós, os inimigos têm em excesso por causa do Rei.’”18

c-) 1.1.24: “Enquanto isso, Farnabazo exortava (παρακελευσάμενος) a todas as tropas dos Peloponésios e dos aliados que não desanimassem por causa de madeiras,19 já que havia muitas no território do Rei, e os corpos estavam salvos.”20

d-) 2.1.5: “Ao mesmo tempo, [Eteônico] assinalou para embarcar nos navios, e apresentando-se aos recrutas de cada um dos navios, encorajava-os e os animava muito (παρεθάρρυνέ τε καὶ παρῄνει πολλά), como se não soubesse nada do que se passara, e entregou a cada um o soldo do mês.”21

e-) 4.8.28: “[Trasíbulo,] além disso, reuniu os mais vigorosos dentre os próprios habitantes de Mitilene, e depois de inspirar a esperança (ἐλπίδας ὑποθεὶς) aos mitilenos de que, se tomassem as cidades, eles seriam os líderes de toda Lesbos, e aos exilados de que, se unidos marchassem contra cada uma das cidades, todos seriam capazes de recuperar suas casas, e aos epibatas de que, se ganhassem a amizade de Lesbos, iriam obter na cidade muita abundância de dinheiro, tendo, então, assim os encorajado (παραμυθησάμενος) e reunido, os conduziu contra Metimna.”22

f-) 5.4.43: “Enquanto os acossava corajosamente com o corpo de peltastas, [Febidas] ordenara aos hoplitas a manterem-se em formação. Tinha a esperança de conseguir a volta dos inimigos; de fato, ele mesmo ia à frente com valentia e incentivava (παρεκελεύετο) os demais a alcançá-lo, e ordenou aos hoplitas téspios que o acompanhassem.”23

Levando em consideração o tamanho do texto das Helênicas, percebe-se que são poucas as referências às exortações dos generais, seja antes ou durante a batalha para incentivar os soldados, seja depois para consolá-los em caso de derrota. Com exceção do espartano Febidas, todas as outras ocorrências envolvem atenienses (Alcibíades, Trasíbulo e Eteônico) ou o persa Farnabazo, talvez como reflexo da não confiança dos lacedemônios à prática da exortação. Além disso, dos seis exemplos, três deles são tão resumidos que não apresentam nenhuma descrição da exortação feita; nos outros três, entretanto, há um pequeno resumo por meio de discurso indireto. Enfim, dos seis exemplos encontrados, quatro se encontram na primeira parte das Helênicas (1-2.3,10), aquela que se propõe a continuar a obra de Tucídides a partir do ponto em que este deixara inacabada, e, para muitos estudiosos, se mantém atrelada ao modelo tucidideano de se escrever história.24 Parece-nos, no entanto, que Xenofonte não dá às arengas o mesmo peso e interesse que Tucídides, e já na primeira parte das Helênicas se percebe a desconfiança do historiador quanto à eficácia dos discursos exortativos, que se comprovará na segunda parte da narrativa, em que o estilo xenofonteano se assume com mais peso e realce. Por outro lado, por toda a narrativa, há maior profusão de cenas em que o narrador, antes das batalhas, reconstrói em discurso indireto as ordens dadas referentes às táticas, mas evita falar em termos de exortação, como ocorre, por exemplo, em 3.4.23.

[23] Agesilau deu-se conta então que faltava aos inimigos a infantaria, enquanto a ele não faltava nenhuma das tropas que dispunha, e considerou, por isso, ser uma boa hora para começar a batalha, se tinha condições. Assim, depois de efetuar os sacrifícios, conduziu imediatamente a falange contra a cavalaria disposta à frente, ordenou às dez classes mais jovens dos hoplitas que corressem ao seu encontro e aos peltastas disse que fossem à frente na corrida. Ordenou ainda que os cavaleiros atacassem, enquanto ele e o resto do exército os seguiam de perto.25

O narrador mantém em discurso indireto apenas as ordens táticas, e com isso, a própria narrativa da batalha se torna mais concisa, à medida que, quando as ordens dadas se mostram eficazes, nenhuma nova informação é dada a respeito da tática, e assim, discurso e narração se fundem harmoniosamente. Se algum comportamento inesperado acontece durante a batalha, como o aumento do entusiasmo, o narrador não confia a mudança às arengas, mas às promessas de espólios, ou ao transcorrer vitorioso da batalha, ou ao acaso e ao divino, ou à boa preparação do exército. Ao tratar da bravura dos eleus contra os arcádios, por exemplo, em 7.4.32, diz o narrador que só um deus poderia tê-los inspirado, “pois não se poderia tornar corajosos homens que já não o são” (ἄνθρωποι δὲ οὐδ’ ἂν ἐν πολλῷ χρόνῳ τοὺς μὴ ὄντας ἀλκίμους ποιήσειαν), frase que ressoa a de Ciro em sua conversa com Crisantas na Ciropedia. Nenhuma mudança, nas Helênicas, é justificada por uma arenga bem fundamentada que causou um entusiasmo exacerbado nos soldados. As vitórias são garantidas pelo treinamento e pela tática, não por belas palavras.

Analisemos, então, os dois discursos caracterizados como arengas militares encontrados nas Helênicas.

a) Trasíbulo (2.4.13-17): A arenga de Trasíbulo ocorre antes da batalha de Muníquia, no contexto da guerra civil em Atenas, gerada pelo governo tirânico dos Trinta. Trasíbulo, comandante dos opositores, ao ver a aproximação dos inimigos, ordena aos seus homens, já formados para a batalha iminente, que abaixem os escudos. Ele, armado, se coloca no meio deles, como se estivessem em uma assembleia, para proferir a arenga. Trata-se de uma arenga do tipo 4, o único exemplo desse grupo que, segundo Hansen (1998, p. 60), se encontra na historiografia grega.

[13] “Cidadãos, quero instruir alguns e relembrar a outros que os que se aproximam pela direita são os mesmos que vocês perseguiram há quatro dias, colocando-os em fuga, enquanto os últimos, do lado esquerdo, bem!, esses são os Trinta, aqueles que nos privaram da cidade sem termos cometido nenhuma injustiça, nos expulsaram de nossas casas e confiscaram os nossos entes queridos. Porém, esses, agora, estão na situação que jamais imaginaram, e que nós a todo momento desejamos. [14] Com efeito, nós nos colocamos diante deles com as armas, e os deuses, por termos sido aprisionados enquanto comíamos, dormíamos ou estávamos na ágora, e sem termos cometido qualquer injustiça, desterrados quando nem mesmo estávamos em Atenas, agora os deuses se mostram abertamente nossos aliados. De um céu limpo, fizeram cair a nevasca, quando nos era favorável, e quando atacamos, mesmo os inimigos sendo numerosos, permitem aos que são poucos erigir o troféu. [15] E agora, nos trouxeram a um lugar de onde eles não podem usar lanças nem dardos, por estarem os homens da primeira fila no aclive, enquanto nós, no declive, podemos atingi-los de longe arremessando lanças, dardos e pedras e vamos ferir a muitos. [16] Talvez alguém possa imaginar que ao menos com os da primeira linha será necessário lutar em pé de igualdade, porém, agora, se vocês lançarem os projéteis com zelo, como convém, ninguém falhará em acertar os que cobrem o caminho, e, protegendo-se com os escudos, eles fugirão sem parar; de modo que será possível golpeá-los como a cegos, de onde quisermos, e atacando-os e fazendo-os retroceder. [17] Amigos, assim é que se deve agir, e que cada um se sinta como o principal responsável pela vitória, pois esta, se Deus quiser, nos restituirá a pátria, a casa, a liberdade, as honras e, para quem por ventura os tenha, os filhos e as esposas. Bem-aventurados, por certo, aqueles que dentre nós, vencedores, comtemplarem o mais belo dos dias. Afortunado, também, aquele que morrer, pois um monumento tão belo, por mais rico que seja, ninguém alcançará. Pois bem, eu entoarei o peã no momento oportuno; e quando invocarmos a Eniálio, daí então todos nós juntos nos vingaremos dos homens de quem tantos ultrajes sofremos.”26

O discurso do general ateniense segue o modelo de παραίνεσις tucidideano, ou seja, combinando instrução e exortação, com elementos táticos referentes a essa batalha particular e frases gerais que servem para qualquer contexto bélico. Trasíbulo inicia o discurso relembrando seus homens que os soldados que se aproximam pela direita já foram derrotados por eles quatro dias antes, enquanto os que vem da esquerda são os Trinta, que, por causa da injustiça com que trataram o povo ateniense, garantem a proteção divina para os revoltosos. Como já ressaltamos, a justiça da luta e a aliança com o divino são tópicas comuns nas arengas desde Homero, e a prova da amizade dos deuses é sinalizada com um fato acontecido dias antes, a nevasca que os beneficiou na batalha anterior (2.3,14). Porém, Trasíbulo relaciona também a amizade divina com a própria posição das tropas, iniciando, com esse vínculo argumentativo, a parte tática da sua arenga (2.4,15). Depois de dar algumas instruções sobre a forma como os homens deveriam agir na batalha, Trasíbulo termina o discurso com a repetição de mais duas tópicas exortativas: as recompensas que a vitória dará (a liberdade da cidade e da família), e a beleza de morrer pela cidade (2.4,17). Enfim, Trasíbulo diz que entoará o peã e invocará Ares Eniálio, para que eles possam se vingar dos homens que os ultrajaram.

Após a arenga, o narrador conta uma situação que revela que de fato os deuses estão ao lado dos homens de Trasíbulo: o adivinho dissera para os homens não se mexerem enquanto alguém não caísse, pois quando isso acontecesse a vitória estaria certa; ele então, depois de falar isso, cai entre os inimigos e morre (2.4,18); depois disso, o narrador termina a narrativa da batalha apenas acrescentando que eles venceram os inimigos e os perseguiram até a planície. Assim, Xenofonte se aproveita das informações táticas já descritas na arenga para tornar a narrativa da batalha mais concisa, justificando o sucesso da tropa e, assim, harmonizando discurso e ações. Ressaltando pontos observados anteriormente, a arenga se desenvolve como um discurso político de assembleia, colocado em um momento de iminência de perigo em que o ateniense Trasíbulo, assim como Ciro, se dirige aos seus homens. Todavia, diferentemente de Ciro, a arenga do ateniense combina dados táticos e de exortação; nesse momento decisivo, em que a Tirania dos Trinta chegará ao fim, Xenofonte emula o modelo de Tucídides. A narrativa das ações se combina harmoniosamente com a arenga, e esta serve como justificativa e explicação para a vitória dos revoltosos. Além disso, para a economia narrativa, ao descrever a batalha, o narrador não precisa retomar esses pontos, uma vez que eles já foram dados por Trasíbulo.

b) Arquídamo (7.1.30): esta arenga ocorre quando, com a chegada da segunda força de auxílio siracusana de Dioniso aos lacedemônios, os aliados decidem enviá-la a Lacônia sob o comando de Arquídamo, rei de Esparta. Enquanto acampava nas colinas de Medeia, o chefe da força de Dioniso vai a Esparta, porém ele tem seu caminho bloqueado pelos messênios e por isso envia mensageiros a Arquídamo pedindo a ajuda e este sai em marcha com o exército. Nesse momento, os árcades e argivos se aproximam da Lacônia, e tentam também obstruir o caminho. Arquídamo, no entanto, consegue chegar em uma região plana nas encruzilhadas do caminho entre Eutrésis e Medeia, onde faz a formação para a batalha. Essa armada é formada não apenas por lacedemônios, mas também pelos homens da força de Siracusa, uma combinação de mercenários celtas e ibérios (7.1.20). É nesse contexto que se inicia a exortação do filho de Agesilau:

[30] Contam que Arquídamo, passando diante das companhias, os exortou do seguinte modo: “Cidadãos, como somos valentes, agora levantaremos a vista com os olhos firmes; entregaremos aos descendentes a pátria tal qual a recebemos de nossos pais; deixaremos de nos envergonhar diante dos filhos, mulheres, anciãos e estrangeiros, entre os quais, anteriormente, éramos os mais admirados de todos os helenos”.27

É importante ressaltar que o narrador inicia a narração da cena exortativa com o verbo ἔφασαν, indicando que se trata de uma informação de segunda mão, e, com isso, relega a outros a veracidade do narrado; isso, além de implicar na não confirmação sobre o conteúdo do narrado, dá também um posicionamento do narrador que, de fato, não poderia estar presente nessa cena para garantir a sua veracidade. Todavia, em muitas outras passagens em que o narrador também não poderia garantir a veracidade por não estar presente, ele não deixa marca textuais disso; diante das poucas referências às cenas exortativas no todo da obra e, por ser essa a única exortação na iminência da batalha trazida em discurso direto, em nossa opinião, o uso desse verbo cria a impressão de que o narrador assume que o que será narrado foge do esquema geral da narrativa, mas, apesar disso, é algo memorável que merece ser preservado.

Iniciando, então, com o verbo ἔφασαν, o narrador conta que Arquídamo exortava as tropas, enquanto passava diante das companhias, ou seja, é uma arenga que se enquadra no grupo 3, de acordo com a tipologia de Hansen. É uma arenga curta, uma exortação com a tópica da recuperação da grandeza de cidade, a fim de legar ao futuro a mesma grandeza com que a receberam dos antepassados, para que os homens não se envergonhem diante dos filhos, mulheres, anciãos e estrangeiros. Embora o exército seja formado por espartanos e mercenários, a arenga é dirigida especialmente aos espartanos, já que Arquídamo utiliza o vocativo “Ἄνδρες πολῖται”. Como nota Pritchett (1994, p. 79), esse discurso é uma exceção ao costume espartano de exortações individuais, porém há que se reconhecer que o momento histórico dessa batalha se dá após a derrota dos hoplitas espartanos em Leuctra para os tebanos, e talvez seja essa arenga um reflexo das mudanças do tempo histórico nos costumes espartanos. No entanto, nota-se que a arenga do espartano é feita apenas da parte exortativa, não há nenhuma menção à tática, é uma arenga mais próxima ao modelo homérico e de Heródoto do que do modelo de Tucídides, e se apresenta em um contexto de grande perigo para os homens e para a cidade, e isto pode ressaltar a necessidade desse discurso: diante da crise moral dos espartanos, com a descrença de suas próprias forças com a derrota para os tebanos, Arquídamo precisa usar da exortação para incutir moral aos seus soldados. Vale ainda notar que, após a arenga, diz o narrador:

[31] Dito isso, dizem que de um céu limpo apareceram raios e trovões, bons presságios para ele; pois coincidia que, junto à ala direita, havia um recinto sagrado e uma estátua de Héracles [de quem, segundo se diz, eram descendentes]. Em razão de todas essas coisas, afirmam que os soldados se encheram de tanto ânimo e coragem que era muito trabalhoso para os comandantes conter os soldados que se empurravam para frente.28

Assim como na arenga de Trasíbulo, o narrador vincula os sinais divinos à natureza justa da batalha e a subsequente vitória, embora haja a diferença de que, no primeiro caso, os sinais tenham sido interpretados pelo próprio Trasíbulo, enquanto, nesta segunda cena, novamente a veracidade do fato é relegada aos anônimos que se escondem sob o verbo λέγουσιν. A vitória do exército de Arquídamo não apenas contém os sucessos dos árcades e argivos, mas marca uma retomada da autoestima espartana, já que, ao ser anunciada a vitória, toda a cidade começou a chorar de alegria – em uma das cenas mais emblemáticas da segunda parte das Helênicas. Assim, pode-se dizer que é uma arenga pronunciada em um momento especial da história do exército espartano que, talvez pela derrota em Leuctra, não tivesse a mesma autoconfiança de antes, e pela posição territorial onde ocorre a batalha, pode-se dizer também que Xenofonte guardou a arenga espartana para um momento de grande perigo, e por estes motivos, tal exortação é memorável e merece ser apresentada na narrativa.

Conclusão

A análise mais detalhada dessas duas arengas e do conjunto textual das Helênicas permite-nos, então, observar que se repete nesta obra a mesma condescendência com que a arenga é tratada na Ciropedia. Talvez, influenciado pela prática espartana, Xenofonte evitasse também dar importância às arengas militares pré-batalhas como elementos efetivos para a vitória, o que não deve ser entendido como se elas não existissem na prática real dos soldados. Nos dois casos analisados acima, os únicos registrados nas Helênicas, as arengas se apresentam em momentos de perigo eminente, em que a derrota dos exércitos a quem são direcionadas as arengas significaria uma derrota sem igual para a cidade (Atenas e Esparta, respectivamente). Por isso mesmo, apresenta-se o elemento religioso como prova da justiça da guerra, e se estabelece assim uma harmonização entre a arenga e a narrativa, assim como os ideais cívicos defendidos e a vontade divina. Portanto, como complemento da arenga, a narrativa da guerra só tem a mostrar a efetividade das instruções táticas ou da justiça divina, que conduzem esses soldados à vitória.

Além disso, ao que parece, Xenofonte assume o ensinamento de Cambises a Ciro: ele guarda as arengas militares apenas para os momentos decisivos. Como parte da economia narrativa, as arengas, assim, se realçam justamente pelo seu pouco uso, e se Tucídides utiliza essa prática como forma de explicitar os eventos históricos, parece que Xenofonte os guarda com fins de, em primeiro lugar, engrandecer a vitória, dando a ela um tom grandiloquente que se assemelha ao épico, e, em segundo lugar, mostrar o papel divino nas ações, indicando, pelos sinais, que a justiça estava do lado de quem profere a arenga.

Referencias

ALBERTUS, Josef. Die Parakletikoi in der griechischen und romischen Literatur. Strasbourg, 1908.

ANSON, Edward. The General’s pre-battle exhortation in Graeco-Roman warfare. Grece & Rome, v. 57, n. 2, p. 304-318, 2010.

BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. Trad. Maria E. Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, p. 277-326, 1997.

CERDAS, Emerson. A história segundo Xenofonte: historiografia e usos do passado. São Paulo: Unesp/Cultura Acadêmica, 2018.

CERDAS, Emerson. Estrutura e unidade da primeira parte das “Helênicas” de Xenofonte. Codex: Revista de Estudos Clássicos. Rio de Janeiro, v. 7, n. 1, p. 36-53, 2019.

DANZIG, Gabriel. The best of the Achaemenids: benevolence, self-interest and the ‘ironic’ reading of Cyropaedia. In: HOBDEN, Fiona; TUPLIN, Christopher (ed.). Xenophon. Ethical principles and historical enquiry. Leiden: Brill, 2012, p. 499-539.

DORION, Louis-André. La responsibilité de Cyrus dans le déclin de l’empire perse selon Plato et Xénophon. In: DORION, Louis-André. L’Autre Socrate. Études sur les écrits socratiques de Xénophon. Paris: Les Belles Lettres, 2013, p. 393-412.

DORION, Louis-André. Hieron craint-il Simonide?: le passage “central” du Hieron selon Leo Strauss. Caliope: Presença Clássica, Ano XXXVIII, n. 41, p. 4-43, 2021.

GRAY, Vivienne. The character of Xenophon’s Hellenica. Baltimore: John Hopkins University Press, 1989.

GRAY, Vivienne. Continuous History and Xenophon, Hellenica 1-2.3.10. The American Journal of Philology, v. 112, n. 2, p. 201-28, 1991.

GRAY, Vivienne. Xenophon’s Mirror of Princes: Reading the Reflections. Oxford and New York: Oxford University Press, 2011.

HANSEN, Mogens Herman. The Battle Exhortation in Ancient Historiography: Fact of Fiction? Historia, v. 42, p. 161-80, 1993.

HANSEN, Mogens Herman. The Little Grey Horse – Henry V’s speech at Agicourt and the battle exhortation in ancient historiography, Histos, v. 2, p. 46-63, 1998.

IGLESIAS-ZOIDO, Juan Carlos. La arenga militar en Jenofonte: a proposito de Ciropedia 3.3.48-55. Norba, v. 16, p. 157-66, 1996-2003.

IGLESIAS-ZOIDO, Juan Carlos. The Battle Exhortation in Ancient Rhetoric. Rhetorica, v. 25, p. 141-58, 2007.

IGLESIAS-ZOIDO, Juan Carlos. La argumentacion en las arengas militares de Tucidides. AC, v. 77, p. 19-40, 2008.

IGLESIAS-ZOIDO, Juan Carlos. Sobre la verdadera utilidad de la parainesis en la historiografía de la época clásica: Tucidides y Jenofonte. Veleia, v. 32, p. 47-61, 2015.

KEITEL, Elizabeth. Homeric Antecedents to the cohortatio in the Ancient Historians. CW, v. 80, p. 153-72, 1987.

MARINCOLA, John. Thucydides 1. 22. 2. Classical Philology, v. 84, n. 3, p. 216-23, 1989.

McLAREN, Malcolm. A supposed lacuna at the beginning of Xenophon’s Hellenica. The American Journal of Philology, v. 100, n. 2, p. 228-38, 1979.

NICOLAI, Roberto. Historians’ Speeches in Rhetorical Education: Dionysius of Halicarnassus’ Selection from Thucydides. In: IGLESIAS-ZOIDO, Juan Carlos; PINEDA, Victoria. (ed.). Anthologies of Historiographical speeches from Antiquity to Early modern times. Leiden; Boston: Brill, 2017, p. 42-62.

PANIAGUA AGUILAR, David. La arenga militar desde la perspectiva de la tradición polemológica greco-latina. TALIA DIXIT, v. 2, p. 1-25, 2007.

PRITCHETT, William Kendrick. The General’s Exhortations in Greek Warfare. In: Pritchett, William Kendrick. Essays in Greek History. Amsterdam: Brill, 1994, p. 27-109.

RAHN, Peter J. Xenophon’s developing historiography. Transactions and Proceedings of the American Philological Association, v. 102, p. 497-508, 1971.

STRAUSS, Leo. On Tyranny. An interpretation of Xenophon’s Hiero, Glencoe: The Free Press, 1948.

THOMAS, David. Introduction. In: STRASLER, Robert B. The Landmark Xenophon’s Hellenika. Translated by John Marincola with an Introduction by David Thomas. New York: Pantheon Books, 2009, p. ix-lxvi.

TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso. Tradução, prefácio e notas introdutórias de Raul. M. Rosado Fernandes e M. Gabriela P. Granwehr. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010.

TUPLIN, Cristopher. The Failings of Empire. A reading of Xenophon Hellenica 2.3.11-7.5.27. Stuttgart: Franz Steiner Verlag, 1993.

XÉNOPHON. Cyropédie. Traduit par Marcel Bizos. Tome I e II. Paris: Les Belles Lettres, 1972; 1973.

XÉNOPHON. Cyropédie. Tome III: livres VI-VIII. Texte établi et traduit par E. Delebecque. Paris: Les Belles Lettres, 1978.

XÉNOPHON. Helléniques. Tome I (Livres I-III). Texte établi et traduit par J. Hatzfeld. Paris: Les Belles Lettres, 1973.

XÉNOPHON. Helléniques. Tome I (Livres IV-VII). Texte établi et traduit par J. Hatzfeld. Paris: Les Belles Lettres, 1965.

Notas

1 Cf. Iglesias-Zoido (2007).
2 A respeito dessa questão, é interessante o debate estabelecido pelos artigos de Hansen (1993) e Pritchett (1994). Hansen defende a ficcionalização das arengas como produto literário dos historiadores, sem vínculo a uma prática real. Sua posição se baseia especialmente na pouca referência a esse tipo de discurso nas obras de retórica antiga, como também em uma possível incapacidade, do ponto de vista físico, de que tais arengas pudessem ser eficazmente escutadas pelos soldados. Neste sentido, o artigo de Anson (2010) busca demonstrar, por questões técnicas de propagação de som e formação dos soldados de acordo com as táticas bélicas na Antiguidade, a impossibilidade de que as arengas militares, tais quais foram preservadas pelos historiadores, tenham de fato sido pronunciadas. Por outro lado, Pritchett, ao rebater os argumentos de Hansen, propõe que as arengas eram uma prática real que foram estilizadas pelos historiadores, visão com a qual estamos de acordo. Cf. Hansen (1993, 1998), Anson (2010) e Pritchett (1994).
3 Tucídides, no proêmio de sua obra História da Guerra do Peloponeso (1.22), abriu a perspectiva para os historiadores da antiguidade de compor os discursos como uma ferramenta para expressar a própria análise que fazia dos eventos, visando demonstrar nas palavras dos outros o que ele entendia como motivações para as ações tomadas. Cf. Marincola (1989); Nicolai (2017).
4 Cf. Paniagua Aguilar (2007).
5 Este artigo complementa outro publicado na revista Calíope, em que analisamos os discursos deliberativos e judiciários nas Helênicas de Xenofonte.
6 Cf. Keitel (1987).
7 Cf. Albertus (1908).
8 Tradução de Raul M. Rosado Fernandes e M. Gabriela P. Granwehr (2010).
9 Aceita-se essa posição uma vez que Xenofonte inicia as Helênicas exatamente no ponto em que Tucídides deixou a obra inacabada (cf. Mclaren, 1979, p. 230-1; Rahn, 1971, p. 498). Do ponto de vista do estilo, no entanto, pode-se dizer que se Xenofonte manteve em vários pontos algumas das características da obra de Tucídides, como o narrador impessoal (cf. Marincola, 1989, p. 10), há vários outros elementos que Xenofonte acrescenta uma percepção pessoal da história, dando espaço a diálogos, cenas de caráter pessoal que revelam o caráter dos personagens, sem, no entanto, terem finalidade histórica e a presença de explicações divinas para determinados eventos. Para uma maior discussão, Cf. Cerdas (2019, p. 36-53); Gray (1991); e Thomas (2009, p. xxv).
10 Considera-se que a Ciropedia foi escrita por volta de 360 a.C., alguns anos antes do autor morrer. Quanto a data de composição das Helênicas, parece que Xenofonte dedicou um longo tempo de sua vida na escrita da obra, já que ela cobre os fatos ocorridos a partir de 411 e seguem até 362 a.C. Em Helênicas 6.4.37, Xenofonte menciona que Tisofono ainda estava no poder em Feras quando estava escrevendo a narrativa. Segundo Tuplin (1993, p. 29), Tisofono faleceu por volta de 353 a.C. Isso indicaria que a redação, ao menos do final das Helênicas, seria próxima da redação da Ciropedia.
11 Leituras modernas da Ciropedia têm levantado a questão do quanto se deve, de fato, ler a personagem de Ciro e a sua Pérsia idealizadas como modelos incontestes das ideias de Xenofonte – a chamada leitura “ensolarada”, tese defendida por Gray (2011), e Danzig (2012); por outro lado, há autores que discutem se, na própria tessitura da narrativa, Xenofonte não daria mostras da limitação desse governo idealizado, dando pistas de elementos que justificarão a queda moral e ética da Pérsia depois da morte de Ciro – a chamada leitura “sombria”, defendida pelos seguidores de Leo Strauss. Não é objetivo deste trabalho se enquadrar em nenhuma destas correntes, pois isso exigiria uma detalhada análise das implicações que a tomada de posição implica no pensamento de Xenofonte como um todo, o que conduziria o trabalho para além dos objetivos deste artigo.
12 A análise das arengas militares na Anábase seria de fundamental importância para analisarmos a correlação entre a forma desse gênero discursivo nas três obras, porém, fugiria ao escopo deste artigo, permanecendo uma possibilidade para trabalhos futuros.
13 As traduções da Ciropedia são de nossa autoria a partir do texto estabelecido por Marcel Bizos e E. Delebecque. No original: Ἀλλὰ μήν, ὁ Κῦρος ἔφη, εἴς γε τὸ προθυμίαν ἐμβαλεῖν στρατιώταις οὐδέν μοι δοκεῖ ἱκανώτερον εἶναι ἢ τὸ δύνασθαι ἐλπίδας ἐμποιεῖν ἀνθρώποις. Ἀλλ’, ἔφη, ὦ παῖ, τοῦτό γε τοιοῦτόν ἐστιν οἷόνπερ εἴ τις κύνας ἐν θήρᾳ ἀνακαλοῖτο ἀεὶ τῇ κλήσει ᾗπερ ὅταν τὸ θηρίον ὁρᾷ. τὸ μὲν γὰρ πρῶτον προθύμως εὖ οἶδ’ ὅτι ἔχει ὑπακουούσασ· ἢν δὲ πολλάκις ψεύδηται αὐτάς, τελευτῶσαι οὐδ’ ὁπόταν ἀληθῶς ὁρῶν καλῇ πείθονται αὐτῷ. οὕτω καὶ τὸ περὶ τῶν ἐλπίδων ἔχει· ἢν πολλάκις προσδοκίας ἀγαθῶν ἐμβαλὼν ψεύδηταί τις, οὐδ’ ὁπόταν ἀληθεῖς ἐλπίδας λέγῃ ὁ τοιοῦτος πείθειν δύναται. ἀλλὰ τοῦ μὲν αὐτὸν λέγειν ἃ μὴ σαφῶς εἰδείη εἴργεσθαι δεῖ, ὦ παῖ, ἄλλοι δ’ ἐνετοὶ λέγοντες ταὔτ’ ἂν διαπράττοιεν· τὴν δ’ αὐτοῦ παρακέλευσιν εἰς τοὺς μεγίστους κινδύνους δεῖ ὡς μάλιστα ἐν πίστει διασῴζειν.
14 Aqui Crisantas utiliza o verbo παρακελεύομαι, no particípio aoristo, que apresenta entre seus significados a ideia de “recomendar”, “dar um conselho” e “exortar e encorajar”, como encontrados em Hdt. 9.102, na Anábase de Xenofonte, 4.2.11, e em Tucídides 4.25.
15 Τί δ’, ἔφη, ὦ Κῦρε, εἰ καὶ σὺ συγκαλέσας ἕως ἔτι ἔξεστι παρακελεύσαιο, εἰ ἄρα τι καὶ σὺ ἀμείνους ποιήσαις τοὺς στρατιώτασ; καὶ ὁ Κῦρος εἶπεν· Ὦ Χρυσάντα, μηδέν σε λυπούντων αἱ τοῦ Ἀσσυρίου παρακελεύσεισ· οὐδεμία γάρ ἐστιν οὕτω καλὴ παραίνεσις ἥτις τοὺς μὴ ὄντας ἀγαθοὺς αὐθημερὸν ἀκούσαντας ἀγαθοὺς ποιήσει· οὐκ ἂν οὖν τοξότας γε, εἰ μὴ ἔμπροσθεν τοῦτο μεμελετηκότες εἶεν, οὐδὲ μὴν ἀκοντιστάς, οὐδὲ μὴν ἱππέας, ἀλλ’ οὐδὲ μὴν τά γε σώματα ἱκανοὺς πονεῖν, ἢν μὴ πρόσθεν ἠσκηκότες ὦσι. καὶ ὁ Χρυσάντας εἶπεν· Ἀλλ’ ἀρκεῖ τοι, ὦ Κῦρε, ἢν τὰς ψυχὰς αὐτῶν ἀμείνονας παρακελευσάμενος ποιήσῃς. Ἦ καὶ δύναιτ’ ἄν, ἔφη ὁ Κῦρος, εἷς λόγος ῥηθεὶς αὐθημερὸν αἰδοῦς μὲν ἐμπλῆσαι τὰς ψυχὰς τῶν ἀκουόντων, ἢ ἀπὸ τῶν αἰσχρῶν κωλῦσαι, προτρέψαι δὲ ὡς χρὴ ἐπαίνου μὲν ἕνεκα πάντα μὲν πόνον, πάντα δὲ κίνδυνον ὑποδύεσθαι, λαβεῖν δ’ ἐν ταῖς γνώμαις βεβαίως τοῦτο ὡς αἱρετώτερόν ἐστι μαχομένους ἀποθνῄσκειν μᾶλλον ἢ φεύγοντας σῴζεσθαι; ἆρ’ οὐκ, ἔφη, εἰ μέλλουσι τοιαῦται διάνοιαι ἐγγραφήσεσθαι ἀνθρώποις καὶ ἔμμονοι ἔσεσθαι, πρῶτον μὲν νόμους ὑπάρξαι δεῖ τοιούτους δι’ ὧν τοῖς μὲν ἀγαθοῖς ἔντιμος καὶ ἐλευθέριος ὁ βίος παρασκευασθήσεται, τοῖς δὲ κακοῖς ταπεινός τε καὶ ἀλγεινὸς καὶ ἀβίωτος ὁ αἰὼν ἐπανακείσεται; ἔπειτα διδασκάλους οἶμαι δεῖ καὶ ἄρχοντας ἐπὶ τούτοις γενέσθαι οἵ τινες δείξουσί τε ὀρθῶς καὶ διδάξουσι καὶ ἐθιοῦσι ταῦτα δρᾶν, ἔστ’ ἂν ἐγγένηται αὐτοῖς τοὺς μὲν ἀγαθοὺς καὶ εὐκλεεῖς εὐδαιμονεστάτους τῷ ὄντι νομίζειν, τοὺς δὲ κακοὺς καὶ δυσκλεεῖς ἀθλιωτάτους ἁπάντων ἡγεῖσθαι. οὕτω γὰρ δεῖ διατεθῆναι τοὺς μέλλοντας τοῦ ἀπὸ τῶν πολεμίων φόβου τὴν μάθησιν κρείττονα παρέξεσθαι. εἰ δέ τοι ἰόντων εἰς μάχην σὺν ὅπλοις, ἐν ᾧ πολλοὶ καὶ τῶν παλαιῶν μαθημάτων ἐξίστανται, ἐν τούτῳ δυνήσεταί τις ἀπορραψῳδήσας παραχρῆμα ἄνδρας πολεμικοὺς ποιῆσαι, πάντων ἂν ῥᾷστον εἴη καὶ μαθεῖν καὶ διδάξαι τὴν μεγίστην τῶν ἐν ἀνθρώποις ἀρετήν. ἐπεὶ ἔγωγ’, ἔφη, οὐδ’ ἂν τούτοις ἐπίστευον ἐμμόνοις ἔσεσθαι οὓς νῦν ἔχοντες παρ’ ἡμῖν αὐτοῖς ἠσκοῦμεν, εἰ μὴ καὶ ὑμᾶς ἑώρων παρόντας, οἳ καὶ παράδειγμα αὐτοῖς ἔσεσθε οἵους χρὴ εἶναι καὶ ὑποβαλεῖν δυνήσεσθε, ἤν τι ἐπιλανθάνωνται. τοὺς δ’ ἀπαιδεύτους παντάπασιν ἀρετῆς θαυμάζοιμ’ ἄν, ἔφη, ὦ Χρυσάντα, εἴ τι πλέον ἂν ὠφελήσειε λόγος καλῶς ῥηθεὶς εἰς ἀνδραγαθίαν ἢ τοὺς ἀπαιδεύτους μουσικῆς ᾆσμα καλῶς ᾀσθὲν εἰς μουσικήν.
16 1.5.7-14; 2.3.2-16; 3.3.34-43; 4.2.21-26; 6.2.14-20; 6.4.12-20.
17 Todas as traduções das Helênicas são de nossa autoria, a partir do texto grego estabelecido por J. Hatzfeld, nas edições publicadas pela Les Belles Lettres (1965, 1973). No original: καὶ ὁ Φαρνάβαζος παρεβοήθει, καὶ ἐπεισβαίνων τῷ ἵππῳ εἰς τὴν θάλατταν μέχρι δυνατὸν ἦν ἐμάχετο, καὶ τοῖς ἄλλοις τοῖς αὑτοῦ ἱππεῦς καὶ πεζοῖς παρεκελεύετο.
18 ταύτην μὲν οὖν τὴν ἡμέραν αὐτοῦ ἔμειναν, τῇ δὲ ὑστεραίᾳ Ἀλκιβιάδης ἐκκλησίαν ποιήσας παρεκελεύετο αὐτοῖς ὅτι ἀνάγκη εἴη καὶ ναυμαχεῖν καὶ πεζομαχεῖν καὶ τειχομαχεῖν.
19 Referência por metonímia aos navios feitos de madeira; do mesmo modo, na sequência, usa-se a palavra corpos em referência aos soldados.
20 Φαρνάβαζος δὲ παντὶ τῷ τῶν Πελοποννησίων στρατεύματι καὶ τοῖς συμμάχοις παρακελευσάμενος μὴ ἀθυμεῖν ἕνεκα ξύλων, ὡς ὄντων πολλῶν ἐν τῇ βασιλέως, ἕως ἂν τὰ σώματα σῶα ᾖ.
21 ἅμα δὲ εἰς τὰς ναῦς ἐσήμηνεν εἰσβαίνειν· προσιὼν δὲ ἐν μέρει παρ’ ἑκάστην ναῦν παρεθάρρυνέ τε καὶ παρῄνει πολλά, ὡς τοῦ γεγενημένου οὐδὲν εἰδώς, καὶ μισθὸν ἑκάστῳ μηνὸς διέδωκε.
22 καὶ αὐτῶν δὲ Μυτιληναίων τοὺς ἐρρωμενεστάτους προσλαβών, καὶ ἐλπίδας ὑποθεὶς τοῖς μὲν Μυτιληναίοις, ὡς ἐὰν λάβῃ τὰς πόλεις, προστάται πάσης Λέσβου ἔσονται, τοῖς δὲ φυγάσιν, ὡς ἐὰν ὁμοῦ ὄντες ἐπὶ μίαν ἑκάστην τῶν πόλεων ἴωσιν, ἱκανοὶ ἔσονται ἅπαντες εἰς τὰς πατρίδας ἀνασωθῆναι, τοῖς δ’ αὖ ἐπιβάταις ὡς φίλην Λέσβον προσποιήσαντες τῇ πόλει πολλὴν εὐπορίαν χρημάτων διαπεπραγμένοι ἔσονται, ταῦτα δὲ παραμυθησάμενος καὶ συντάξας ἦγεν αὐτοὺς ἐπὶ Μήθυμναν.
23 ὁ δὲ ἐν τούτῳ θρασέως ἐπέκειτο, περὶ ἑαυτὸν μὲν ἔχων τὸ πελταστικόν, τὸ δ’ ὁπλιτικὸν ἐν τάξει ἕπεσθαι κελεύσας. καὶ ἐν ἐλπίδι ἐγένετο τροπὴν τῶν ἀνδρῶν ποιήσασθαι· αὐτός τε γὰρ ἐρρωμένως ἡγεῖτο, καὶ τοῖς ἄλλοις ἅπτεσθαι τῶν ἀνδρῶν παρεκελεύετο, καὶ τοὺς τῶν Θεσπιῶν ὁπλίτας ἀκολουθεῖν ἐκέλευεν·.
24 Cf. Gray (1991) e Cerdas (2019).
25 ἔνθα δὴ ὁ Ἀγησίλαος γιγνώσκων ὅτι τοῖς μὲν πολεμίοις οὔπω παρείη τὸ πεζόν, αὐτῷ δὲ οὐδὲν ἀπείη τῶν παρεσκευασμένων, καιρὸν ἡγήσατο μάχην συνάψαι, εἰ δύναιτο. σφαγιασάμενος οὖν τὴν μὲν φάλαγγα εὐθὺς ἦγεν ἐπὶ τοὺς παρατεταγμένους ἱππέας, ἐκ δὲ τῶν ὁπλιτῶν ἐκέλευσε τὰ δέκα ἀφ’ ἥβης θεῖν ὁμόσε αὐτοῖς, τοῖς δὲ πελτασταῖς εἶπε δρόμῳ ὑφηγεῖσθαι. Παρήγγειλε δὲ καὶ τοῖς ἱππεῦσιν ἐμβάλλειν, ὡς αὐτοῦ τε καὶ παντὸς τοῦ στρατεύματος ἑπομένου.
26 Ἄνδρες πολῖται, τοὺς μὲν διδάξαι, τοὺς δὲ ἀναμνῆσαι ὑμῶν βούλομαι ὅτι εἰσὶ τῶν προσιόντων οἱ μὲν τὸ δεξιὸν ἔχοντες οὓς ὑμεῖς ἡμέραν πέμπτην τρεψάμενοι ἐδιώξατε, οἱ δ’ ἐπὶ τοῦ εὐωνύμου ἔσχατοι, οὗτοι δὴ οἱ τριάκοντα, οἳ ἡμᾶς καὶ πόλεως ἀπεστέρουν οὐδὲν ἀδικοῦντας καὶ οἰκιῶν ἐξήλαυνον καὶ τοὺς φιλτάτους τῶν ἡμετέρων ἀπεσημαίνοντο. ἀλλὰ νῦν τοι παραγεγένηνται οὗ οὗτοι μὲν οὔποτε ᾤοντο, ἡμεῖς δὲ ἀεὶ ηὐχόμεθα. ἔχοντες γὰρ ὅπλα μὲν ἐναντίοι αὐτοῖς καθέσταμεν· οἱ δὲ θεοί, ὅτι ποτὲ καὶ δειπνοῦντες συνελαμβανόμεθα καὶ καθεύδοντες καὶ ἀγοράζοντες, οἱ δὲ καὶ οὐχ ὅπως ἀδικοῦντες, ἀλλ’ οὐδ’ ἐπιδημοῦντες ἐφυγαδευόμεθα, νῦν φανερῶς ἡμῖν συμμαχοῦσι. καὶ γὰρ ἐν εὐδίᾳ χειμῶνα ποιοῦσιν, ὅταν ἡμῖν συμφέρῃ, καὶ ὅταν ἐγχειρῶμεν, πολλῶν ὄντων ἐναντίων ὀλίγοις οὖσι τροπαῖα ἵστασθαι διδόασι· καὶ νῦν δὲ κεκομίκασιν ἡμᾶς εἰς χωρίον ἐν ᾧ οὗτοι μὲν οὔτε βάλλειν οὔτε ἀκοντίζειν ὑπὲρ τῶν προτεταγμένων διὰ τὸ πρὸς ὄρθιον ἰέναι δύναιντ’ ἄν, ἡμεῖς δὲ εἰς τὸ κάταντες καὶ δόρατα ἀφιέντες καὶ ἀκόντια καὶ πέτρους ἐξιξόμεθά τε αὐτῶν καὶ πολλοὺς κατατρώσομεν. καὶ ᾤετο μὲν ἄν τις δεήσειν τοῖς γε πρωτοστάταις ἐκ τοῦ ἴσου μάχεσθαι· νῦν δέ, ἂν ὑμεῖς, ὥσπερ προσήκει, προθύμως ἀφιῆτε τὰ βέλη, ἁμαρτήσεται μὲν οὐδεὶς ὧν γε μεστὴ ἡ ὁδός, φυλαττόμενοι δὲ δραπετεύσουσιν ἀεὶ ὑπὸ ταῖς ἀσπίσιν· ὥστε ἐξέσται ὥσπερ τυφλοὺς καὶ τύπτειν ὅπου ἂν βουλώμεθα καὶ ἐναλλομένους ἀνατρέπειν. ἀλλ’, ὦ ἄνδρες, οὕτω χρὴ ποιεῖν ὅπως ἕκαστός τις ἑαυτῷ συνείσεται τῆς νίκης αἰτιώτατος ὤν. αὕτη γὰρ ἡμῖν, ἂν θεὸς θέλῃ, νῦν ἀποδώσει καὶ πατρίδα καὶ οἴκους καὶ ἐλευθερίαν καὶ τιμὰς καὶ παῖδας, οἷς εἰσί, καὶ γυναῖκας. ὦ μακάριοι δῆτα, οἳ ἂν ἡμῶν νικήσαντες ἐπίδωσι τὴν πασῶν ἡδίστην ἡμέραν. εὐδαίμων δὲ καὶ ἄν τις ἀποθάνῃ· μνημείου γὰρ οὐδεὶς οὕτω πλούσιος ὢν καλοῦ τεύξεται. ἐξάρξω μὲν οὖν ἐγὼ ἡνίκ’ ἂν καιρὸς ᾖ παιᾶνα· ὅταν δὲ τὸν Ἐνυάλιον παρακαλέσωμεν, τότε πάντες ὁμοθυμαδὸν ἀνθ’ ὧν ὑβρίσθημεν τιμωρώμεθα τοὺς ἄνδρας.
27 ἔφασαν δ’ αὐτὸν καὶ πρὸ τῶν λόχων παριόντα τοιάδε παρακελεύσασθαι· Ἄνδρες πολῖται, νῦν ἀγαθοὶ γενόμενοι ἀναβλέψωμεν ὀρθοῖς ὄμμασιν· ἀποδῶμεν τοῖς ἐπιγιγνομένοις τὴν πατρίδα οἵανπερ παρὰ τῶν πατέρων παρελάβομεν· παυσώμεθα αἰσχυνόμενοι καὶ παῖδας καὶ γυναῖκας καὶ πρεσβυτέρους καὶ ξένους, ἐν οἷς πρόσθεν γε πάντων τῶν Ἑλλήνων περιβλεπτότατοι ἦμεν.
28 τούτων δὲ ῥηθέντων ἐξ αἰθρίας ἀστραπάς τε καὶ βροντὰς λέγουσιν αἰσίους αὐτῷ φανῆναι· συνέβη δὲ καὶ πρὸς τῷ δεξιῷ κέρατι τέμενός τε καὶ ἄγαλμα Ἡρακλέους [οὗ δὴ καὶ ἀπόγονος λέγεται] εἶναι. τοιγαροῦν ἐκ τούτων πάντων οὕτω πολὺ μένος καὶ θάρρος τοῖς στρατιώταις φασὶν ἐμπεσεῖν ὥστ’ ἔργον εἶναι τοῖς ἡγεμόσιν ἀνείργειν τοὺς στρατιώτας ὠθουμένους εἰς τὸ πρόσθεν.
HTML generado a partir de XML-JATS4R por