Traduções

Prefácio do terceiro livro de Controvérsias de Sêneca, o rétor

Preface of the third book of Controversies by Seneca the elder

Pablo Schwartz Frydman
Universidade de São Paulo, Brasil, Brasil

Prefácio do terceiro livro de Controvérsias de Sêneca, o rétor

Classica - Revista Brasileira de Estudos Clássicos, vol. 36, pp. 1-10, 2023

Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos

Recepción: 26 Febrero 2023

Aprobación: 24 Abril 2023

Resumo: Este artigo apresenta uma tradução ao português, com introdução e notas, do prefácio ao terceiro livro de Controvérsias de Sêneca, o rétor. Além de fornecer um retrato do orador Cássio Severo, são também referidas e comentadas neste texto suas opiniões sobre as relações entre oratória institucional e declamação escolar. A crítica à declamação, feita no contexto das escolas de retórica, é um tópico recorrente em vários autores da Antiguidade Latina, e o prefácio aqui traduzido constitui um dos mais relevantes exemplos sobre o tema.

Palavras-chave: declamação, retórica escolar, Cássio Severo, Sêneca, o rétor.

Abstract: This article presents a translation into Portuguese, with an introduction and notes, of the preface to the third book of Seneca the Elder’s Controversies. The text not only provides a portrait of the orator Cassius Severus, but also sets out and comments on his views on the relationship between institutional oratory and scholastic declamation. The criticism of declamation, presented in the context of the schools of rhetoric, is a recurrent topic in several authors of Latin antiquity, and the preface translated here constitutes one of the most relevant examples on the subject.

Keywords: declamation, scholastic rhetoric, Cassius Severus, Seneca the Elder.

Apresentação

Da obra de Sêneca, o rétor, os prefácios para sete dos dez livros de Controvérsias oferecem uma visão de conjunto sobre as práticas da oratória institucional e escolar na Roma dos anos finais da República e começo do principado. O prefácio ao terceiro livro de Controvérsias,1 aqui traduzido, é dedicado ao orador Cássio Severo,2 o qual exprime uma visão crítica da declamação e dos rétores, que então desfrutavam de enorme popularidade. Cássio Severo é apontado no Diálogo dos oradores, de Tácito, como o criador de um novo estilo na oratória.3 Quintiliano o considera um modelo digno de imitação,4 apesar de colocar reparos a sua proverbial agressividade.5 São numerosas as referências ao contraste entre seu comportamento indigno e sua notável capacidade oratória. Em Ann. 1.72, Tácito atribui à indignação provocada em Augusto por escritos difamatórios de Cássio Severo a adaptação da antiga lex maiestatis à finalidade espúria de perseguir judicialmente autores de textos considerados ofensivos, e em outra passagem refere que, já exilado, continuou provocando inimizades, o que agravou sua pena.6 Destaca o contraste de suas origens e forma de vida com seu talento: “qui sordidae originis, maleficae uitae, sed orandi ualidus”.7 Quintiliano faz dele um julgamento semelhante: “qui, si ceteris uirtutibus colorem et grauitatem orationis adiecisset, ponendus inter praecipuos [sc. oratores] foret”.8

O prefácio inicia com a constatação de que muitas vezes oradores destacados não tenham atingido um nível equivalente na prática da declamação. Cássio Severo é referido como o exemplo mais evidente desta divergência (Contr. 3 praef. 1). Na sequência, o narrador oferece um retrato do personagem (Contr. 3 praef. 2-7). A justificativa do desempenho desigual é apresentada através das palavras do próprio Cássio (Contr. 3 praef. 8-18), cuja alocução inclui o relato de seu enfrentamento com o rétor Céstio Pio (Contr. 3 praf. 16-8). Nas linhas finais, a palavra volta ao narrador, que encerra o prefácio com uma breve caraterização do estilo de Cássio (Contr. 3 praef. 18). Em suma, o prefácio oferece uma visão matizada da declamação. Por uma parte questiona-se sua utilidade como instrumento para a formação de oradores. Ao mesmo tempo, ela se revela como um gênero discursivo relativamente autônomo, que se desenvolve no fervilhante ambiente cultural das escolas de retórica.9

O texto latino em que se baseia a tradução é a edição de Håkanson, 1989 (incluído logo após a tradução).

Prefácio do terceiro livro de Controvérsias

Sêneca saúda seus filhos Novato, Sêneca e Mela.

1. Conheci alguns homens muito eloquentes, que não estavam à altura de sua reputação quando declamavam. Quando discursavam no fórum provocavam uma enorme admiração geral, mas tão logo se retiravam para estes exercícios domésticos,10 eram abandonados pelo seu talento. Que isto aconteça amiúde é para mim tão assombroso quanto evidente.

Assim, lembro ter perguntado a Cássio Severo por que nas declamações sua eloquência não estava à altura de si mesmo. 2. Em ninguém isto era mais visível. Seu discurso era forte, elegante, cheio de vigorosas sentenças.11 Não houve ninguém que tolerasse menos os elementos supérfluos quando atuava numa causa; não havia parte que não se destacasse por algum mérito próprio; nenhuma em que o ouvinte pudesse se distrair, sem prejuízo. Tudo tinha propósito, procurava algum objetivo. Ninguém teve mais sob controle as emoções dos ouvintes. É verdade o que sobre ele falou nosso caro Galião:12 “quando discursava, tinha um poder total; a tal ponto todos obedeciam a suas ordens: encolerizavam-se, choravam, lamentavam-se quando ele o quisera. Enquanto falava, todos temiam que terminasse”.

3. Não deveis avaliá-lo a partir do que publicou; há sem dúvida algumas passagens em que se reconhece sua eloquência; contudo era muito melhor escutá-lo que o ler. Mas não acontecia com ele na medida em que acontece com quase todos, que a audição ganha da leitura, pois nele esta diferença é muito maior. Em primeiro lugar, seu porte era comparável a seu talento. A dimensão de seu corpo era privilegiada, possuía a suavidade de uma voz potentíssima (ainda que estas características raramente coincidam: que uma voz seja ao mesmo tempo doce e sólida) e uma ação oratória que sugeria um ator, e que, porém, não poderia parecer de ator.134. E nada era mais surpreendente nele que o fato de que a dignidade14 que faltava à sua vida, abundava em suas apresentações:15 enquanto se mantinha longe das piadas, seu discurso era digno de um censor. Logo, era melhor quando falava que quando escrevia. Homem de ânimo vigoroso, cujo talento superava seu zelo,16 deleitava mais naquilo que improvisava que no que havia preparado. Assim, quando estava irritado se exprimia mais à vontade e esse era o motivo pelo qual todos temiam interrompê-lo quando falava. 5. Era o único que ganhava em ser atacado.17 O acaso lhe era mais proveitoso que a preparação. Contudo essa facilidade nunca o persuadiu a ser negligente. Não atuava em mais de duas causas privadas por dia, uma antes e a outra depois do meio-dia; em causas públicas nunca mais do que em uma por dia. E não sei de nenhum réu que tenha defendido a não ser a si mesmo; a tal ponto que nunca encontrou matéria para seus discursos, senão em meio a perigos próprios. 6. Nunca discursou sem anotações,18 nem se contentava com aquelas em que se expõem as ideias nuas, mas escrevia circunstanciadamente a maior parte do discurso. Anotava inclusive as ideias que admitiam uma formulação espirituosa. Mas apesar de não querer proceder senão a partir de apoios, sentia-se a gosto para afastar-se deles. Quando as circunstâncias o empurravam a improvisar, ele se superava infinitamente. Sempre lhe era mais útil ser surpreendido que a preparação, mas chama a atenção que não abandonasse o empenho, já que na espontaneidade se dava tão bem.

7. Portanto, possuía todo o necessário para declamar bem: uma elocução não vulgar nem baixa, mas requintada; um estilo oratório nem calmo nem lânguido, mas ardente e vivaz; a exposição nem comprida nem vazia e mais cheia de sentido que de palavras; e finalmente, o zelo, que é um apoio muito importante, incluso para os talentos medíocres. Contudo, quando declamava não só era inferior a si mesmo, mas inferior a muitos. Por isso raramente declamava e apenas quando era compelido pelos amigos. 8. Mas quando lhe perguntei por que nas declamações não estava à altura de si mesmo, respondeu assim: “o que te surpreende em mim acontece a quase todos. Também os grandes talentos – dos quais sei que estou muito distante – quando se destacaram em mais de um gênero? Ao escrever poemas, Cícero se viu privado da própria eloquência;19 aquela fertilidade de talento abandonou Virgílio na prosa; os discursos de Salústio são lidos em homenagem a suas histórias; o discurso que Platão, homem eloquentíssimo, escreveu a favor de Sócrates não é digno nem do defensor nem do réu.209. Vemos que isto não acontece só aos talentos, mas também aos corpos, pois as forças destes não se adaptam a qualquer atividade que requeira forças: na luta um é inigualável; outro se destaca levantando um fardo muito pesado; outro ainda não solta o que pegou, e usa suas mãos para deter um carro na ladeira. Passo aos animais: uns cães servem para caçar javali; outros, para caçar cervo; nem todos os cavalos, ainda que sejam celérrimos, têm a velocidade apropriada para as corridas; alguns toleram melhor o cavaleiro, outros o jugo. 10. Para falarmos da minha paixão, quando Pílades faz comédia ou Batilo tragédia, ambos estão longe de seu verdadeiro nível.21 ***a meu nome*** a velocidade de seus pés não é apenas aceita, mas também criticada, e suas mãos são bastante lentas.22 Alguns combatem muito bem contra os hoplômacos,23 outros contra os trácios;24 assim como alguns desejam ser atacados com a mão esquerda, outros o temem. Até no discurso, apesar de a matéria ser a mesma, aquele que argumenta magistralmente narra com certa negligência; e outro é melhor na preparação que na execução. Quando nosso Passieno começa a falar, produz-se uma fuga logo após o exórdio. Para o epílogo voltamos todos, enquanto as partes intermediárias as ouvem só aqueles que têm necessidade. 11. Ficas surpreso se alguém não declama tão bem quanto age em juízos? Se outro não executa tão bem as suasórias quanto as controvérsias judiciais? Pompeu Silão, sentado, é facundo e até letrado e seria considerado diserto se dispensasse seu auditório após sua fala inicial. Declama tão mal que acho que falei bem quando lhe disse: “nunca te levantes”. A eloquência é uma disciplina vasta e diversificada25 e até agora nunca se entregou a ninguém por inteiro; já é bastante feliz aquele que foi recebido em alguma das suas partes. 12. Eu, porém, acho que posso alegar um motivo pessoal: tenho por costume não prestar atenção ao público, mas ao juiz; não responder a mim mesmo, mas ao meu adversário; não evito menos dizer palavras supérfluas do que palavras prejudiciais; existe na declamação algo que não seja supérfluo, sendo que ela mesma é supérflua? Vou te dizer o que eu sinto: quando falo no fórum, estou fazendo alguma coisa; quando declamo, como dizia belamente Censorino sobre aqueles que por meio de intrigas pretendem ser candidatos nos municípios, ‘parece-me que me esforço em meio de um sonho’. 13. Além do mais, a própria matéria é diferente: uma coisa é lutar, outra esgrimir no vazio. Isto sempre foi visto assim: a escola é como um lugar de treinamento, o foro, como uma arena; daí que seja chamado de recruta26 aquele que vai dizer suas primeiras palavras no fórum. Pois bem! Leva esses declamadores ao senado e ao fórum: eles mudarão junto com o lugar; assim como corpos acostumados ao encerro e a uma voluptuosa sombra, já não podem estar à intempérie nem são capazes de tolerar a chuva e o sol;27 mal sabem onde estão. De fato, estão acostumados a ser eloquentes conforme seu arbítrio pessoal.2814. Não deves avaliar um orador a partir deste exercício pueril. O que diria se quisesses determinar a competência dum timoneiro numa piscina? Eu procuraria apresentar-te uma melhor justificativa de que não nasci para tal atividade, se não soubesse que até Asínio Polião, Mesala Corvino e Pasieno, que hoje ocupa o primeiro lugar, são vistos como menos eloquentes que Céstio ou Latrão. 15. Então, achas que é culpa de quem? Dos que falam ou de seus ouvintes? Não é que aqueles discursem pior, é que estes têm o julgamento corrompido. São principalmente meninos ou jovens os que frequentam as escolas; estes não só preferem seu Céstio aos eloquentíssimos varões que acabo de mencionar, mas também preferi-lo-iam a Cícero, se não temessem ser apedrejados. Eles o preferem da única forma que podem: pois aprendem de cor todas as declamações dele, enquanto só leem os discursos de Cícero a que Céstio respondeu. 16. Lembro ter ido à sua escola quando se dispunha a recitar um discurso contra Milão;29 Céstio, vangloriando-se, como de costume, dizia: ‘Se eu fosse um gladiador trácio, seria Fúsio; se fosse um pantomimo, Batilo; se um cavalo, Melíssio’. Não contive minha bílis e exclamei: ‘Se fosses uma cloaca, serias a Máxima’.30 Grande riso geral; os alunos da escola olhavam para mim, perguntando-se quem seria aquele casca-grossa. Céstio, que pretendia responder a Cícero, não encontrou o que responder-me, mas se negou a continuar até que eu saísse da casa. Eu me neguei a sair de um banho público, sem lavar-me antes. 17. Depois resolvi pedir reparação no fórum pelo agravo de Céstio a Cícero. Mais tarde, tendo encontrado com ele, intimo-o ante o pretor e, após dar vazão a gozações e insultos, solicitei que o pretor admitisse uma denúncia contra ele, amparado na lei do dano indeterminado.31 Ficou tão perturbado que pediu um adiamento. Depois, levei-o ante um segundo pretor e o acusei de ingratidão.32 Já estava indo ao pretor urbano para pedir que lhe designasse um curador,33 quando, graças à intervenção e súplicas de amigos seus que tinham presenciado este espetáculo, disse que não voltaria a incomodá-lo se jurasse que Cícero era mais eloquente que ele. Mas não foi possível convencê-lo a fazer isto nem com brincadeiras, nem falando sério.3418. ‘Trouxe para ti esta pequena história’, ele disse, ‘para que compreendesses que nas declamações não se trata apenas de um diferente gênero de assuntos, mas principalmente de um gênero diferente de homens. Para comparar-me com eles não preciso de um talento maior, mas de menos bom senso.35 Por isso é difícil que me convençam a declamar e apenas aceito fazê-lo diante dos amigos mais próximos’”.

E assim é que ele agia. Suas declamações eram desiguais, mas o que nelas se destacava, se o pusesses em qualquer declamação, faria desta uma declamação desigual. Sua composição era áspera e do tipo que evita fechar o período, suas sentenças, vivas. Contudo, seria injusto avaliá-lo a partir do que exporei a seguir; pois não é o melhor que ele disse, mas o que eu melhor conservo.

***

<Excerpta controversiarvm libri tertii>

Seneca Novato, Senecae, Melae filiis salutem.

Quosdam disertissimos cognovi viros non respondentes famae suae, cum declamarent; in foro maxima omnium admiratione dicentes, simul ad has domesticas exercitationes secesserant, desertos ab ingenio suo. quod accidere plerisque aeque mihi mirum quam certum est. Memini itaque me a SEVERO CASSIO quaerere, quid esset, cur in declamationibus eloquentia illi sua non responderet. 2. In nullo enim hoc fiebat notabilius. oratio eius erat valens, culta, vigentibus plena sententiis. nemo minus passus est aliquid in actione sua otiosi esse: nulla pars erat, quae non sua virtute staret, nihil in quo auditor sine damno aliud ageret; omnia intenta, aliquid petentia. nemo magis in sua potestate habuit audientium affectus. verum est, quod de illo dixit Gallio noster: ‘cum diceret, rerum potiebatur; adeo omnes imperata faciebant: cum ille voluerat, irascebantur, <flebant, miserebantur>. nemo non illo dicente timebat, ne desineret.

3. Non est quod illum ex his quae edidit aestimetis; sunt quidem et haec, quibus eloquentia eius <agnoscatur, tamen auditus> longe maior erat quam lectus. non hoc ea portione illi accidit, qua omnibus fere, quibus maiori commendationi est audiri quam legi, sed in illo longe maius discrimen est. primum, tantundem erat in homine quantum in ingenio: corporis magnitudo conspicua, suavitas valentissimae vocis (quamvis haec inter se raro coeant, ut eadem vox et dulcis sit et solida), pronuntiatio quae histrionem posset producere, <nec> tamen quae histrionis posset videri. 4. nec enim quicquam magis in illo mirareris quam quod gravitas, quae deerat vitae, actioni super<er>at: quamdiu citra iocos se continebat, censoria oratio erat. Deinde, ipsa quae dicebat meliora erant quam quae scribebat. vir enim praesentis animi et maioris ingenii quam studii magis placebat in his, quae inveniebat, quam in his, quae attulerat. iam vero iratus commodius dicebat, et ideo diligentissime cauebant homines, ne dicentem interpellarent. 5. uni illi proderat excuti; melius semper fortuna quam cura de illo merebat<ur>. [id] numquam tamen haec felicitas illi persuasit neglegentiam: uno die privatas plures <quam duas> non agebat et ita, ut alteram ante meridiem ageret, alteram post meridiem; publicam vero numquam amplius quam unam uno die. nec tamen scio, quem reum illi defendere nisi se contigerit; adeo nusquam rerum ullam materiam dicendi nisi in periculis suis habuit. 6. sine commentario numquam dixit nec hoc commentario contentus erat, in quo nudae res ponuntur; ex maxima parte perscribebatur actio. illa quoque, quae salse dici poterant, adnotabantur. sed cum procedere nollet nisi instructus, libenter ab instrumentis recedebat. ex tempore coactus dicere infinito se antecedebat. numquam non utilius erat illi deprehendi quam praeparari, sed magis illum suspiceres, quod diligentiam non relinquebat, cum illi tam bene temeritas cederet.

7. Omnia ergo habebat, quae illum, ut bene declamaret, instruerent: phrasin non vulgarem nec sordidam sed electam; genus dicendi non remissum aut languidum sed ardens et concitatum; non lentas nec vacuas explicationes sed plus sensuum quam verborum habentes; diligentiam, maximum etiam mediocris ingenii subsidium. tamen non tantum infra se, cum declamaret, sed infra multos erat; itaque raro declamabat et non nisi ab amicis coactus. 8. sed quaerenti mihi, quare in declamationibus impar sibi esset, haec aiebat: ‘quod in me miraris, paene omnibus evenit. magna quoque ingenia – a quibus multum abesse me scio – quando plus quam in uno eminuerunt opere? Ciceronem eloquentia sua in carminibus destituit; Vergilium illa felicitas ingenii <in> oratione soluta reliquit; orationes Sallustii in honorem historiarum leguntur; eloquentissimi viri Platonis oratio, quae est pro Socrate scripta, nec patrono nec reo digna est. 9. hoc non ingeniis tantum sed corporibus videmus accidere, quorum vires non ad omnia, quae viribus efficiuntur, aptae sunt: illi nemo luctando par est; ille ad tollendam magni ponderis sarcinam praevalet; ille quidquid apprehendit non remittit sed in proclive nitentibus vehiculis moraturas manus inicit. ad animalia venio: alii ad aprum, alii ad cervum canes faciunt; equorum non omnium, quamvis celerrimi sint, idonea curriculis velocitas est; quidam melius equitem patiuntur, quidam iugum. 10. ut ad meum te morbum vocem, Pylades in comoedia, Bathyllus in tragoedia multum a se aberrant. † nomini meo † cum velocitas pedum non concedatur tantum sed obiciatur, lentiores manus sunt; quidam cum hoplomachis, quidam cum Thraecibus optime pugnant, quidam sic cum scaeva componi cupiunt, quomodo alii timent. in ipsa oratione quamvis una materia sit, tamen ille, qui optime argumentatur, neglegentius narrat; ille non tam bene implet quam praeparat. Passienus noster cum coepit dicere, secundum principium statim fuga fit, ad epilogum omnes revertimur; media tantum quibus necesse est audiunt. 11. miraris eundem non aeque bene declamare quam causas agere, aut eundem non tam bene suasorias quam iudiciales controversias dicere? Silo Pompeius sedens et facundus et litteratus est et haberetur disertus, si a praelocutione dimitteret; declamat tam male, ut videar belle optasse, cum dixi: numquam surgas. magna et varia res est eloquentia neque adhuc ulli sic indulsit, ut tota contingeret; satis felix est qui in aliquam eius partem receptus est. 12. ego tamen et propriam causam videor posse reddere: adsuevi non auditorem spectare sed iudicem; adsuevi non mihi respondere sed adversario; non minus devito supervacua dicere quam contraria. in scholastica quid non supervacuum est, cum ipsa supervacua sit? indicabo tibi affectum meum: cum in foro dico, aliquid ago; cum declamo, id quod bellissime Censorinus aiebat de his, qui honores in municipiis ambitiose peterent, videor mihi in somnis laborare. deinde res ipsa diversa est: 13. totum aliud est pugnare, aliud ventilare. hoc ita semper habitum est, scholam quasi ludum esse, forum arenam, et ille ideo primum in foro verba facturus tiro dictus est. agedum istos declamatores produc in senatum, in forum: cum loco mutabunt<ur>. velut adsueta clauso et delicatae umbrae corpora sub divo stare non possunt, non imbrem ferre, non solem sciunt; vix se inveniunt. adsuerunt enim suo arbitrio diserti esse. 14. non est, quod oratorem in hac puerili exercitatione spectes. quid, si velis gubernatorem in piscina aestimare? diligentius me tibi excusarem, tamquam huic rei non essem natus, nisi scirem et Pollionem Asinium et Messalam Corvinum et Passienum, qui nunc primo loco stat, minus bene videri <dicere> quam Cestium aut Latronem. 15. utrum ergo putas hoc dicentium vitium esse an audientium? non illi peius dicunt, sed hi corruptius iudicant. pueri fere aut iuvenes scholas frequentant; hi non tantum disertissimis viris, quos paulo ante rettuli, Cestium suum praeferunt, <sed etiam Ciceroni praeferrent,> nisi lapides timerent. quo tamen uno modo possunt, praeferunt; huius enim declamationes ediscunt, illius orationes non legunt nisi eas, quibus Cestius rescripsit. 16. memini me intrare scholam eius, cum recitaturus esset in Milonem. Cestius ex consuetudine sua miratus dicebat: ‘si Thraex essem, Fusius essem; si pantomimus essem, Bathyllus essem; si equus, Melissio.’ non continui bilem et exclamavi: ‘si cloaca esses, maxima esses!’ risus omnium ingens: scholastici intueri me, quis essem, qui tam crassas cervices haberem. Cestius Ciceroni responsurus mihi quod responderet non invenit sed negavit se executurum, nisi exissem de domo. 17. ego negavi me de balneo publico exiturum, nisi lotus essem. deinde libuit Ciceroni de Cestio in foro satisfacere. subinde nanctus eum in ius ad praetorem voco et, cum quantum volebam iocorum conviciorumque effudissem, postulavi, ut praetor nomen eius reciperet lege inscripti maleficii. tanta illius perturbatio fuit, ut advocationem peteret. deinde ad alterum praetorem eduxi et ingrati postulavi. iam apud praetorem urbanum curatorem ei petebam. intervenientibus amicis, qui ad hoc spectaculum concurrerant, et rogantibus dixi molestum me amplius non futurum, si iurasset disertiorem esse Ciceronem quam se; nec hoc ut faceret vel ioco vel serio effici potuit.’

18. ‘hanc’ inquit ‘tibi fabellam rettuli, ut scires in declamationibus non tantum aliud genus <rerum, sed aliud genus> hominum esse. si comparari illis volo, non ingenio mihi maiore opus est sed sensu minore. itaque vix iam optineri solet, ut declamem; illud optineri non potest, ut velim aliis quam familiarissimis audientibus.’ et ita faciebat. declamationes eius inaequales erant, sed ea quae eminebant, in quacumque declamatione posuisses, inaequalem eam fecissent. compositio aspera et quae vitaret conclusionem, sententiae vivae. iniquom tamen erit ex his eum aestimari, quae statim subtexam; non enim haec ille optime dixit, sed haec ego optime teneo.

Referencias

BALBO, Andrea. I frammenti degli oratori romani dell’età augustea e tiberiana. Parte prima: età augustea. Alessandria: Edizioni dell’Orso, 2007.

BONNER, Stanley Frederick. Roman Declamation in the Late Republic and Early Empire. Liverpool: Liverpool University Press, 1949.

DURET, Luc. Dans l’ombre des plus grands: I. Poètes et prosateurs mal connus de l’époque augustéenne. ANRW, II, v. 31, n. 3, 1983.

FAIRWEATHER, Janet. Seneca the Elder. London: Cambridge University Press, 1981.

GUNDERSON, Erik. Declamation, paternity, and Roman identity. Authorithy and the rhetorical self. Cambridge: Cambridge University Press, 2003.

HÅKANSON, Lennart (ed.). L. Annaeus Seneca Maior. Oratorum et rhetorum sententiae, divisiones, colores. Lipsiae: Teubner, 1989.

PINTON, Beatriz Rezende Lara; MIOTTI, Charlene Martins. Autoria, cânone retórico e polifonia nas Declamações maiores de Pseudo-Quintiliano. Nuntius Antiquus, v. 16, n. 1, p. 77-99, 2020.

SCHNEIDER, Catherine. Laughing is no laughing matter: laughs and laughter in Seneca the Elder’s oeuvre. In: DINTER, Martin; GUÉRIN, Charles; MARTINHO, Marcos (ed.). Reading Roman Declamation. Seneca the Elder. Oxford: Oxford University Press, 2020, p. 254-76.

SCHWARTZ, Pablo. Forensic intrusion into the schools of rhetoric: a reading of Cassius Severus’ attack on Cestius Pius. In: AMATO, Eugenio; CITTI, Francesco; HUELSENBECK, Bart (ed.). Law and ethics in Greek and Roman Declamation. Berlin: De Gruyter, 2015, p. 63-74.

SUSSMAN, Lewis A. The Elder Seneca. Leiden: Brill, 1978.

Notas

1 A coleção senequiana de controvérsias e suasórias chegou a nós em forma fragmentária. Do livro terceiro – como do quarto, quinto, sexto e oitavo das Controvérsias – conservamos apenas excerpta (extratos).
2 Cf. Balbo (2007, p. 143-76) para ter acesso ao conjunto de fragmentos e testemunhos relativos a Cássio Severo, assim como a um comentário sobre eles.
3 Cf. Tac. Dial. 19.1-2.
4 Cf. Quint. Inst. 12.10-1.
5 Quint. Inst. 11.1.57.
6 Cf. Tac. Ann. 4.21. Sobre outros aspectos relacionados ao exílio e morte de Cássio Severo, cf. Duret, 1983, p. 1512-7.
7 Tac. Ann. 4.21: Ele [foi] de origem baixa e vida maledicente, mas vigoroso na oratória. Em todos os casos as traduções dos textos latinos são minhas.
8 Quint. Inst. 10.1.116: ele, se tivesse acrescentado a suas virtudes cor e gravidade discursiva, ocuparia um lugar entre os principais [sc. oradores].
9 A crítica à declamação é um tópico corrente na literatura latina imperial. Além de Tácito, Dial. 35 e Petrônio. Sat. 1-4, também é retomado em outro prefácio de Sêneca, o rétor (Contr. 9 praef).
10 Cf. Sen. Contr. 1 praef. 12, em que se atribui a Calvo a consideração da declamação como própria da prática doméstica: [...] alterum (i.e., declamare) putat domesticae exercitationis esse.
11 Sobre a sententia, como recurso estilístico mais caraterístico da declamação e sobre suas variedades, cf. Sen. Contr. I praef. 22-4; Quint. Inst., 8.5. Cf. também Sussman, 1978, p. 35-8; Fairweather, 1981, p. 202-7.
12 Júnio Galião, nascido na Hispânia, como Sêneca, aparece como figura de destaque nas Controvérsias e Suasórias. Amigo próximo de Sêneca, o rétor, após a morte deste, adotou seu filho mais velho, Novato. Tácito (Ann. 6.3) refere um episódio constrangedor na relação dele com Tibério.
13 A crítica a uma pronuntiatio que se aproxime daquela dos atores e dançarinos é tradicional. Cf. por exemplo Quint. Inst. 1.12.14; 11.3.181; Tac. Dial. 26.2-3. Parece claro que Sêneca atribui a Cássio uma capacidade incomum no uso da voz, própria da técnica dos atores, mas quer excluir de tal caraterização as conotações de depravação e decadência moral que usualmente se associavam a eles.
14 São numerosas as referências ao contraste entre seu comportamento indigno e sua notável capacidade oratória. Em Ann. 1.72.4 Tácito atribui à indignação provocada em Augusto por escritos difamatórios de Cássio Severo a adaptação da antiga lex maiestatis à finalidade espúria de perseguir judicialmente autores de textos considerados ofensivos. Tácito, Ann. 4.21.6 refere que já exilado, continuou provocando inimizades, o que agravou sua pena.
15 Sêneca refere aqui a parte da retórica conhecida como pronuntiatio ou actio, relativa à linguagem corporal e gestual dos oradores, usando alternativamente ambos os termos.
16 A oposição entre ingenium (talento) e studium (zelo, aplicação) é tradicional na caraterização de declamadores e oradores referidos por Sêneca o rétor.
17 Um episódio referido por Quint. Inst. 6.1.43 revela sua capacidade para usar em benefício próprio as intervenções de seus adversários.
18 Quintiliano, Inst. 4.1.69; 10.7.30 refere a prática de Cícero de escrever anotações (commentarii) sobre os principais pontos que iria desenvolver em seus discursos.
19 Cf. outras avaliações negativas das incursões de Cícero na poesia em Quint. Inst. 11.1.24; Tac. Dial.21.6; Juv. 10.124.
20 Referência à Apologia.
21 Um e outro foram libertos de Augusto que se notabilizaram na pantomima.
22 Passagem corrupta, de significação duvidosa, que talvez contivesse o nome de um gladiador.
23 Gladiadores de armadura pesada.
24 Gladiadores de armadura leve.
25 Cf. Tac. Dial. 10, 4, em que Aper fala da eloquência como um supragênero que envolve oratória e poesia.
26 “Recruta” traduz o latim tiro, que além de referir o soldado inexperiente, caracteriza o “novato” ou “aprendiz”, alguém que se inicia em qualquer atividade.
27 A oposição entre sol e sombra é usual como imagem contraposta da oratória e a declamação. Cf. Quint. Inst. 11.3.27; Petr. 1.2 e Juv. 7.171-3. Sen. Contr. 9 praef. 3 refere episódio que teve protagonista o declamador Pórcio Latrão, que atuando como advogado de defesa se sentiu tão constrangido por ter que falar no espaço aberto do fórum, que pediu que o juízo fosse transferido a uma basílica. O fato também é reportado por Quintiliano, Inst. 10.5.18.
28 Na opinião de Cássio na declamação não há verdadeiro diálogo, já que não existe um adversário, um discurso real ao qual o declamador possa se opor. No entanto parece evidente que a declamação como gênero dá lugar a uma pluralidade de vozes. Cf. Pinton; Miotti, 2020, p. 91-2.
29 Trata-se de um exercício em que Céstio elaborava uma réplica ao Pro Milone, famoso discurso de Cícero em defesa de Milão. Quintiliano, Inst. 10.5.20 manifesta uma opinião crítica sobre práticas como esta.
30 A Cloaca Maxima drenava para o Tibre o esgoto de Roma.
31 A lex inscripti maleficii se aplicava provavelmente apenas no âmbito da declamação. Cf. Contr. 5, 1; Quint. Inst. 7.4.36; Quint. Decl Min. 253; 344 e 370.
32 Também é um tipo de acusação usual nas controvérsias escolares. Cf. Sen. Contr. 2, 5.
33 Trata-se de solicitação aplicável a alguém insano, que carece de capacidade de discernimento. Cf. Bonner, 1949, p. 93.
34 Sobre este episódio cf. Schwartz, 2015, p. 68-71; Schneider, 2020, p. 255-6.
35 Para uma consideração geral do âmbito da declamação como um mundo que lida com a insanidade, cf. Gunderson, 2003, p. 1-25.
HTML generado a partir de XML-JATS4R por