Resenhas

GARCÍA SÁNCHEZ, Manel; GARRAFFONI, Renata S. (ed.). Mujeres, Género y Estudios Clásicos: un diálogo entre España y Brasil / Mulheres, Gênero e Estudos Clássicos: um diálogo entre Espanha e Brasil. Barcelona: Universitat de Barcelona Edicions; Curitiba: Editora UFPR, 2019. 362 p. ISBN: 978-84-9168-318-6 (Universidade de Barcelona) e 978-85-8480-194-7 (Universidade Federal do Paraná)

Fabrício Sparvoli
Universidade de São Paulo, Brasil

GARCÍA SÁNCHEZ, Manel; GARRAFFONI, Renata S. (ed.). Mujeres, Género y Estudios Clásicos: un diálogo entre España y Brasil / Mulheres, Gênero e Estudos Clássicos: um diálogo entre Espanha e Brasil. Barcelona: Universitat de Barcelona Edicions; Curitiba: Editora UFPR, 2019. 362 p. ISBN: 978-84-9168-318-6 (Universidade de Barcelona) e 978-85-8480-194-7 (Universidade Federal do Paraná)

Classica - Revista Brasileira de Estudos Clássicos, vol. 34, núm. 2, pp. 1-3, 2021

Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos

Recepción: 06 Noviembre 2020

Aprobación: 04 Enero 2021

Com capítulos que abordam temas variados e sob perspectivas diversas, a publicação de Mujeres, Género y Estudios Clásicos: un diálogo entre España y Brasil (em português Mulheres, Gênero e Estudos Clássicos: um diálogo entre Espanha e Brasil), sob organização de Manel García Sánchez (Universidade de Barcelona) e Renata Senna Garraffoni (Universidade Federal do Paraná), constitui-se em importante contribuição para os estudos de gênero na Antiguidade. Marcado por um diálogo entre pesquisadoras e pesquisadores de origem brasileira e espanhola, o livro dá visibilidade internacional a uma parcela significativa dos estudos realizados em universidades do Brasil e, simultaneamente, oferece-nos uma seleção do que se vem produzindo nas universidades da Espanha.

Inicia-se o livro com uma breve introdução escrita conjuntamente por Sánchez García e Garrafoni, que esclarece tratar-se de obra que reflete anos de cooperação acadêmica entre universidades brasileiras e espanholas, impulsionada sobretudo pelos professores Pedro Funari (Unicamp) e José Remesal Rodríguez (Universidade de Barcelona). Seguem dois capítulos introdutórios, em que Sánchez García e Garraffoni abordam as origens e desenvolvimentos particulares dos estudos de gênero na Antiguidade referindo-se, individualmente, ao contexto de seu país. Chama atenção o fato de que a produção acadêmica espanhola não apenas precede à brasileira em algumas décadas, como está também mais bem disseminada. Ao menos é isso o que sugerem as leituras destes dois capítulos, cujas exposições teriam se beneficiado de uma escrita conjunta ou de um pós-escrito ao fim do livro, que possibilitaria comparar as diferentes trajetórias das pesquisas em ambos os países, referidas separadamente.

A partir deste ponto, tem-se vinte e um capítulos que possuem perspectivas e suportes documentais muito diversos. Os dez primeiros tratam especificamente de evidências de origem grega, sendo sete deles espanhóis e três brasileiros. É digno de nota que os três textos brasileiros – de Vergara, Grillo e Marquetti – dialogam íntima e proficuamente entre si. Isso decorre do fato de tratarem de um mesmo tipo documental, a cerâmica ática: o primeiro, ao explorar as associações entre erotismo, humor e necessidades fisiológicas; o segundo, ao questionar a associação (moderna) entre representações de mulheres em contextos simpóticos e prostituição; o terceiro, ao tratar das associações entre violência física e erotismo, fortemente inspirada por uma abordagem da antropologia do corpo.

Os demais textos (espanhóis) que tratam da Grécia são mais variados e possuem um diálogo interno mais difuso. Reboreda Morillo aborda os diferentes papéis femininos presentes na épica homérica, enquanto Oller Guzmán analisa a presença feminina em contextos bélicos. Cisneros Abellán, por sua vez, explora evidências da produção e comercialização de coroas de flores em locais públicos por mulheres (as stephanopólides), ao passo que Mirón Pérez, então, recupera evidências de evergetismo de mulheres, aristocráticas e subalternas, que financiaram obras arquitetônicas. Mais adiante, Alfaro Giner refere-se à relação que uma comunidade estabelece com os xóana, estátuas rituais de pequeno porte e geralmente feitas de madeira, ao vesti-los e, assim, estabelecerem uma relação de íntima proximidade com o sagrado. Finalmente, Fau Ramos e Jufresa Muñoz oferecem uma análise comparativa entre as relações de gênero em contexto conjugal cristão e não cristão, a partir de narrativas biográficas.

Os onze capítulos seguintes tratam da documentação romana, tardorromana ou de recepção do passado romano, sendo cinco textos de origem espanhola e seis de origem brasileira. O diálogo entre os autores brasileiros é, mais uma vez, muito significativo, uma vez que tratam, sob diferentes aspectos, de eventos e evidências relativos ao principado romano: Garraffoni e Funari analisam um trecho do Satyricon, de Petrônio, comparando-o com algumas inscrições parietais pompeianas; Sanfelice trata das representações do deus Hermafrodito em Pompeia; Feitosa e Vóros analisam a recepção (muito criativa e sensacionalista, segundo as autoras) dos estudos sobre prostituição romana, em geral, e sobre Pompeia, em particular, em um documentário do History Channel; Bélo trata da presença da memória da rainha dos icenos, Boudica, no imaginário moderno e contemporâneo dos britânicos. Além disso, há outros dois textos de autores brasileiros que dialogam intimamente entre si, ao tratarem de evidências do cristianismo primitivo – o de Ipiranga Jr. e o de Chevitarese e Justi.

Nesta seção é possível estabelecer não apenas esse diálogo próximo entre os textos brasileiros, como também, ao contrário do que ocorre na seção grega, entre estes e os próprios textos espanhóis. Deve-se isso ao fato de que quatro (dos cincos) textos espanhóis tratam de aspectos igualmente relacionados ao principado romano. Cid López, por exemplo, propõe uma interessante comparação entre os espaços domésticos grego e romano (mais precisamente, pompeiano), evidenciando os diferentes processos pelos quais a espacialidade produz uma organização de gênero. Já López e Pociña recuperam as evidências das cartas trocadas entre mulheres da familia Caesaris e outros membros, explorando a participação feminina em processos políticos. García Sánchez, por sua vez opondo-se à visão tradicional que se tem de Roma como uma sociedade licenciosa e permissiva, explora as muitas regulações de gênero, em particular as reformas de Augusto. Domínguez Arranz e Gregorio Navarro, a seguir, analisam evidências epigráficas que homenageiam Júlia, Menor, a filha de Augusto. A última contribuição espanhola da seção trata da violência contra as princesas e rainhas visigóticas, sugerindo que ela ocorria por motivos tanto políticos como de gênero, em um contexto que é, contudo, tardio.

Dialogando em maior ou menor medida, os capítulos possuem uma rica diversidade de evidências e abordagens. Deve-se notar, sob este aspecto, não apenas o esforço de resgatar-se a agência de personagens históricas, em uma profícua perspectiva pós-estruturalista, como também o fato de o fazer através de uma análise que contemple a intersecção de diversos marcadores sociais da diferença, tais como status social, espacialidade, etnicidade, entre outros. É o caso, por exemplo, da análise que Garraffoni e Funari oferecem da Matrona de Éfeso, uma uxor representada na prosa petroniana em um processo de rebaixamento de seu status elevado à categoria depreciada de mulier, como analisam os autores. As comparações apresentadas dessa fábula do Satyricon com evidências epigráficas de Pompeia são da maior pertinência, dado que tratam de contextos praticamente contemporâneos.

O esforço comparativo, de fato, é outro interessante tópico que pode ser destacado. Se a comparação que Garraffoni e Funari oferecem é, como dito acima, de grande pertinência, devem o leitor e a leitora ter olhos atentos para comparações feitas em outros sentidos. Por exemplo, para contextualizar o encontro que Jesus e a Samaritana têm junto ao poço de Jacó, Chevitarese e Justi recorrem a evidências referentes à cerâmica ática de, pelo menos, cinco séculos antes do que narra o relato do evangelista João. Ou seja, não apenas as temporalidades, como também as espacialidades contempladas são muito divergentes. Comparações entre contextos antigos diversos, ou mesmo entre contextos antigos e modernos, são feitas em outros capítulos. Ao lê-los, deve-se ter em mente se tais confrontos são, de fato, pertinentes (e em qual medida), exercício que, não obstante, faz com que a leitura seja ainda mais instigante e rica.

Em suma: a leitura do livro organizado por Sánchez García e Garraffoni é incontornável e proveitosa. Aquele e aquela que desejarem textos com os quais dialogar encontrarão, neste livro, uma possibilidade privilegiada de fazê-lo.

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