Dossiê | Dossier

O sistema de notação musical na Antiguidade Clássica: uma introdução

The system of musical notation in Classical Antiquity: an introduction

Roosevelt Rocha
Universidade Federal do Paraná, Brasil

O sistema de notação musical na Antiguidade Clássica: uma introdução

Classica - Revista Brasileira de Estudos Clássicos, vol. 34, núm. 1, pp. 269-277, 2021

Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos

Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos

Recepción: 20 Octubre 2020

Aprobación: 13 Noviembre 2020

Resumo: Neste texto apresento as informações básicas sobre a origem e o desenvolvimento do sistema de notação musical utilizado pelos músicos da Antiguidade greco-romana. Tomando como base os livros de West, Mathiesen e Hagel, trato da relação entre a evolução do sistema de notação e as transformações que aconteceram no que diz respeito à performance musical, mostrando que a notação surgiu a partir de um núcleo simples de símbolos e se expandiu até um sistema complexo e extenso. Desse modo, pretendo demonstrar que é importante estudar a notação musical antiga de um ponto de vista histórico para compreender seu funcionamento e sua relação com a prática e com a teoria musical.

Palavras-chave: notação musical, perspectiva histórica, Alípio, prática musical, teoria musical.

Abstract: In this text I present the basic information about the origin and development of the musical notation system used by the musicians of the Greco-Roman Antiquity. Based on the books of West, Mathiesen and Hagel, I deal with the relationship between the evolution of the notation system and the transformations that took place with regard to musical performance, showing that notation arose from a simple nucleus of symbols and expanded into a complex and extensive system. In this way, I intend to demonstrate that it is important to study the ancient musical notation from a historical point of view to understand its functioning and its relationship with musical practice and theory.

Keywords: musical notation, historical perspective, Alypius, musical practice, music theory.

Os antigos gregos usavam seu alfabeto para diferentes fins. Primeiramente, é claro, eles o usavam para representar os sons da fala. Em segundo lugar, as letras eram usadas no domínio da matemática, para representar números e esquemas de figuras geométricas. Mas, além disso, os antigos helenos também usavam o alfabeto, ou também símbolos gráficos que se assemelham a letras do alfabeto, para representar as notas musicais. É esse tipo de uso das letras do alfabeto e símbolos semelhantes a elas que encontramos nos chamados documentos musicais, principalmente papiros e inscrições em pedra, que datam desde o século III a.C. até o século IV d.C.1

Porém, para entender esse sistema de notação, não basta conhecer esses documentos musicais. Para nossa sorte, a tradição manuscrita transmitiu um texto que traz uma série de explicações sobre esse sistema. Como diz Mathiesen (1999, p. 593), não se trata de um tratado, mas de uma descrição em forma tabular do sistema de notação musical usado pelos antigos gregos e romanos que foi atribuído a um certo Alípio, sobre o qual não temos maiores informações, nem sobre sua origem nem sobre seu período de vida ou de atividade.2 Contudo, isso não diminui o valor desse texto, já que, com uma ou outra pequena variação, é o sistema de notação descrito ali que aparece em todos os documentos musicais, como, por exemplo, nos fragmentos do Orestes (DAGM 3) e da Ifigênia em Áulis (DAGM 4), de Eurípides, e nos chamados Hinos Délficos (DAGM 20 e 21). De qualquer modo, Mathiesen (1999, p. 594) propõe que Alípio compilou as informações constantes da sua Introductio Musica entre o final do século IV e o final do século V d.C.

Alípio apresenta quinze tropoi ou tonoi, começando com o lídio, organizados em dois grupos de sinais gráficos, um para a fala e outro para os instrumentos, ou seja, uma notação usada para o canto e uma notação usada para a execução instrumental.3 As tábuas contendo o sistema de notação não chegaram completas até nós, porém isso também não diminui o valor do testemunho de Alípio, pois ele nos apresenta o registro mais completo do sistema de notação musical dos antigos gregos; ele serve de ponto de partida para determinar o sistema no qual essa notação se baseava; e ele nos fornece as informações necessárias para transcrever os documentos musicais que chegaram até nós.4

Aristóxeno, anteriormente, tinha identificado treze tonoi. Contudo, posteriormente, o número de tonoi chegou a quinze, certamente para que cada tom tradicional (lídio, frígio, eólico, iástio [ou jônico] e dórico) tivesse seu equivalente acima (hyper-) e abaixo (hypo-). É essa organização que encontramos nas tabelas de Alípio. Depois da tabela para cada tom básico, vem cada tom baixo e cada tom alto (por exemplo: lídio, hipolídio e hiperlídio; eólio, hipoeólio e hipereólio, etc.). As quinze primeiras tabelas apresentam a notação para o gênero diatônico e, em seguida, vêm as tabelas para o gênero cromático. Seguindo essa lógica, deveríamos encontrar também tabelas para cada tom no gênero enarmônico, mas as tabelas apresentam problemas no tom eólio e não temos tabelas a partir da metade do tom hipofrígio. Além disso, com exceção do tom lídio, os símbolos para o gênero enarmônico são idênticos aos sinais usados para o gênero cromático. Somente no tom lídio os símbolos são diferenciados através do uso de uma barra (/ ou \) colocada no meio deles nas notas móveis do tetracorde do gênero cromático. Existem explicações históricas para isso, propostas por Hagel (2009, p. 442-53; 2020), sobre as quais falaremos mais adiante.

O que é importante destacar aqui é que, no sistema de notação apresentado por Alípio, ele identifica as notas de acordo com suas funções e não de acordo com uma altura absoluta. Nesse sistema, cada tetracorde tem sua notação própria e tudo depende da dynamis (função) e não de intervalos rigorosos. Podemos dizer também que tudo depende da relação que uma nota tem com as outras notas do sistema, ou seja, tudo depende da posição que uma nota ocupa dentro do sistema. E, como já disse antes, havia dois tipos de símbolos nesse sistema de notação: símbolos instrumentais e símbolos vocais.

Além dos símbolos para representar as notas musicais, símbolos rítmicos também aparecem nos documentos musicais quando os transcritores julgaram necessário usá-los. Essa notação rítmica passou a ser usada comumente a partir do século II d.C. Até o período clássico, pelo menos, o uso de símbolos específicos para marcar o ritmo não era necessário, porque os tempos das notas eram determinados pelas durações das sílabas das palavras cantadas. Com o passar do tempo, essa relação entre duração das sílabas e duração das notas foi rompida, e o ritmo das melodias passou a ser notado de modo específico, principalmente quando as notas duram mais do que dois tempos breves ou uma sílaba longa. Em textos tardios, ou seja, do período imperial, encontramos também alguns símbolos usados para deixar claro o modo de articulação entre as notas, quando mais de uma é colocada numa mesma sílaba.5

O sistema de notação alipiano atinge um alcance de um pouco mais de três oitavas. Nele encontramos símbolos em grupos de três, ou seja, em tríades: o símbolo na parte de baixo de cada quadrado na tabela do anexo 1 representa uma nota ‘natural’ numa escala diatônica, ou seja, sem alteração ou sem sustenido nem bemol. A notação triádica pode ser resultado da ação de fechar ou abrir parcialmente o mesmo buraco do aulo,6 instrumento de sopro no qual é mais fácil fazer uma modulação, uma mudança de escala, por exemplo. Também é importante destacar neste momento que as notas com os nomes modernos mostradas na tabela são usadas convencionalmente pelos estudiosos, mas a altura real estaria uma terça menor mais abaixo.7

As notas que estão acima representam sons mais altos do que a nota de base, seja em um quarto de tom seja em um semitom. A notação, por si só, como já foi dito, não distingue escalas enarmônicas e cromáticas. Para saber que tipo de arranjo intervalar está sendo empregado numa determinada composição melódica é preciso examinar as relações entre as notas que fazem parte da composição em questão.8

O conjunto de símbolos usados para a notação instrumental é mais antigo do que o do sistema vocal. A notação instrumental provavelmente foi inventada por um músico da região de Argos em meados do século V a.C. Laso de Hermíone e Epígono de Sícion eram dessa região e podem ter tido alguma relação com a invenção do primeiro sistema de notação musical usado na Grécia Antiga.9

O sistema vocal teria surgido da necessidade de haver uma notação mais fácil de ser compreendida por pessoas que não teriam conhecimentos musicais profundos e que só cantariam e não tocariam nenhum instrumento. A notação vocal data do final do século V ou do começo do século IV. Pode-se fazer essa afirmação porque ela utiliza o alfabeto jônico como ponto de partida para o seu sistema e esse alfabeto foi oficializado em Atenas em 403/402 a.C. Havia, entretanto, outros sistemas: Aristóxeno (Harm. 2, 39-41) fala de outro sistema de notação, diferente do de Alípio (o qual dataria de meados do século III a.C., como já disse antes), e Aristides Quintiliano usa uma notação um pouco diferente também, baseada em quartos de tom e não em semitons, como é o caso do sistema alipiano.10

Os antigos gregos foram os primeiros a criar um sistema de notação musical para registrar melodias e não apenas progressões harmônicas simples. Os antigos babilônios já tinham um sistema de notação musical, mas ele não era tão detalhado quanto o sistema alipiano.11

Como base para a construção do sistema de notação, importantes conceitos da teoria harmônica grega foram estabelecidos no século V a.C.: o intervalo de quarta como unidade estruturante e a centralidade da nota mese. No final do século V, a modulação se destaca como tema das discussões teóricas e da prática musical: com seus instrumentos musicais, os musicistas deveriam ter a possibilidade de mudar o modo de uma canção dentro de uma mesma peça. Aparentemente esse tipo de desenvolvimento aconteceu ao mesmo tempo em que o sistema de notação estava sendo expandido.

Havia um conjunto de símbolos para a música cantada e outro para a música instrumental, como já disse antes. A notação vocal estava baseada nas 24 letras do alfabeto jônico, oficialmente adotado em Atenas em 403/402 a.C. As letras em sua forma usual eram usadas para notar a extensão intervalar mais habitual, isto é, dó, ré mi, fá, sol, lá, si, usando o nosso modo de representação atual das notas musicais, como encontramos na tabela do anexo 1. Notas mais altas ou mais baixas eram indicadas por letras invertidas, giradas ou cortadas. E, na região mais aguda, as letras recebiam um traço em cima e isso significava que sua altura aumentava em uma oitava.

A lógica que rege a organização da notação instrumental é mais difícil de entender. É possível identificar vários dos sinais que a compõem como originários de sistemas de escrita de diferentes regiões da Grécia, mas não é fácil dizer que princípios determinam sua organização. Os símbolos aparecem em tríades que incluem uma forma básica e duas modificações, que podem ser rotações ou inversões do sinal básico, como vemos nos números 31, 32 e 33 (⊂ ∪ ⊃) e 19, 20 e 21 (⊢⊥⊣), da tabela de West (1992, p. 256. Cf. anexo 1).

O sistema de notação instrumental deve ser mais antigo, porque ele explicita graficamente o uso das tríades. O sistema vocal também se organiza de acordo com o mesmo princípio das tríades, mas o oculta por trás da série alfabética que aparentemente não faz distinções entre os sinais. A tríade 31, 32 e 33 (⊂ ☐ Π) aparece com símbolos diferentes (não invertidos ou girados) e a 19, 20 e 21 também (□ ☐ ∇), e esta última resulta das alterações nas letras Z, E e Δ.12

Cada tríade corresponde a um picno, ou seja, um conjunto de três notas que estão bastante próximas quanto à altura e que têm extensão de, no máximo, 5 quartos de tom. Para facilitar a compreensão, podemos dizer que o picno é a parte do tetracorde onde há uma concentração de notas que estão perto umas das outras. Só havia picnos em tetracordes enarmônicos e cromáticos. Em tetracordes diatônicos não havia picnos.13

O modo como as escalas mais antigas – a lídia, a frígia e a dórica – são representadas no sistema de notação sugere que nelas o picno tinha a extensão de um semitom, que seria dividido em dois quartos de tom, de acordo com a teoria de Aristóxeno de Tarento. Numa tríade indicada pelos símbolos ⊂ ∪ ⊃, o intervalo entre ⊂ e ⊃ seria um semitom. Por isso, pode-se dizer que o sistema de notação, na sua origem, estava baseado nos quartos de tom usados como ponto de partida por teóricos anteriores a Aristóxeno.14

O conceito das tríades, contudo, não deriva da noção puramente teórica dos picnos. É mais provável que eles representem um tipo de tablatura instrumental. Isso não funcionaria para a lira, cujas cordas não podem ser manipuladas com facilidade para produzir pequenas alterações sonoras que resultariam nas diferenças intervalares de quarto de tom. Esse sistema de notação se adequa melhor ao modo de execução do aulo, instrumento no qual é possível abrir parcialmente um orifício para produzir alterações nas alturas das notas. Por isso, os teóricos usam a palavra ‘díese’, que indica a ação de “deixar passar através”.15 Desse modo, pode-se dizer que o sistema de notação foi criado tendo em vista o aulo e seus orifícios. Nesse instrumento de sopro é possível fazer ‘modificações’, isto é, modulações, algo mais difícil de fazer numa lira, cujas notas produzem sons fixos.

O sistema de notação musical grego é muito complexo. Um mesmo símbolo pode representar diferentes notas, dependendo da escala da qual ele faz parte e, assim, a mesma nota pode ser notada por diferentes símbolos em diferentes contextos. O símbolo ∪, por exemplo, é a nota mais alta depois de ⊂ e isso quer dizer que ela pode ser um quarto de tom, um semitom ou um tom mais aguda do que a primeira nota.

Isso tem relação com o fato de que não podemos esperar que haja coerência num sistema que se desenvolveu ao longo de vários séculos. O mais importante é que a ideia básica do sistema de tríades foi perdendo força conforme outras escalas modulantes foram sendo acrescentadas. As tríades funcionaram bem para seis dos sete antigos tons (lídio, hipolídio, frígio, hipofrígio, dórico e hipodórico), nos quais picnos enarmônicos em quartos de tom foram escritos como tríades. A inclusão do mixolídio causou problemas que teriam levado ao abandono do sistema de picnos em tríades.16

A princípio havia sete tons tradicionais na teoria musical grega, ou seja, os sete citados no parágrafo anterior. Porém, no século IV a.C., a teoria de Aristóxeno chegou a propor 13 tons, com um tom começando a cada semitom de uma oitava. Isso permitia aos músicos fazer modulações através de todo o ciclo das quintas,17 isto é, podendo passar de um tom para outro, como do tom lídio para o hipolídio, por exemplo. Essa expansão no número de tons levou ao abandono do sistema de tríades e à adoção de um sistema de símbolos que partem de uma grade de semitons que omite a nota central das tríades.

Melodias enarmônicas provavelmente ainda continuavam a ser executadas no período imperial, mesmo que em situações restritas. Mas a nova abordagem era muito menos ambígua, já que ela partia de uma base claramente cromática. No período romano encontramos escalas desse tipo nas composições daquela época junto com as ‘escalas naturais’18 lídia e hipolídia. Somente nessas escalas os símbolos centrais das tríades ainda são usados nas composições daquele tempo.

No período helenístico, a partir do que podemos observar nos documentos musicais, as melodias estavam baseadas principalmente nas escalas frígia e lídia. Na música do período imperial romano, a iástia e a eólica ganham mais espaço. Devemos nos perguntar por que aconteceu essa mudança. Há uma lacuna de cerca de 200 anos no conjunto dos documentos musicais, desde o primeiro século a.C. até o final do primeiro século d.C., e essa falta de documentos dificulta nossa compreensão do processo.

Além do que encontramos nos documentos musicais, temos também acesso a importantes informações nos tratados e nos manuais musicais. Em alguns deles encontramos a escala natural Lídia sendo usada para dar exemplos de construções melódicas. As melodias notadas no tratado de Báquio, por exemplo, merecem um comentário aqui.19 Esse autor, provavelmente do século II d.C., não dá explicações introdutórias sobre o sistema de notação e parece pressupor que seus leitores, cidadãos educados da elite romana, já o conhecem razoavelmente. É possível que esses iniciados no estudo da música aprendessem os rudimentos da leitura musical quando estavam aprendendo a tocar a lira.20

Autores como Alípio e Gaudêncio (22-23), por outro lado, apresentam construções escalares maiores, chegando a duas oitavas em cada tom e incluindo diferentes gêneros de tetracordes. Em Aristides Quintiliano (1.11) encontramos ainda outra maneira de apresentar a notação, dando passos a cada tom ou semitom. Esse mesmo autor também colocou no seu tratado (1.11) um diagrama que continha todos os quinze tons do sistema de notação completo, mas esse diagrama se perdeu em algum momento no processo de transmissão do texto. Porém, podemos ter uma ideia de como seria esse diagrama que apresentava os antigos tons consultando o De Institutione Musica (4.15), de Boécio.

No século XIX, Bellermann fez a primeira estimativa da altura absoluta antiga.21 Nosso lá central, que está no centro do sistema, corresponde à nota mese lídia, que é representada com os sinais I (d’ da notação vocal, número 40 na tabela de West) e < (também número 40 na tabela de West, anexo 1). Sabendo disso, pode parecer fácil transcrever uma melodia escrita com a antiga notação para o nosso sistema moderno. Mas não é bem assim. Há muitas dificuldades e elas são fonte de debate entre os estudiosos.

A referência na época de Bellermann era a’ = 490 Hz, mas hoje em dia é a’ = 440 Hz, e isso faz com que haja uma diferença de meio tom em direção à região mais aguda nas transcrições do século XIX. As transcrições modernas representam a escala natural antiga usando a nossa escala natural, ou seja, sem bemóis ou sustenidos. Quando lemos essas partituras, precisamos ter em mente que elas não representam as alturas ou as notas musicais utilizadas nos concertos modernos e isso causou muitos mal entendidos.

A ‘escala natural’ antiga de Bellermann foi notada num registro equivocado, e isso deu início a uma tradição que perdura ainda hoje em dia. Basta consultar a tabela de West, aqui no anexo 1, para ver isso. Bellermann adotou a hipolídia no lugar da lídia como sua ‘escala natural’ antiga e isso foi um erro. Isso torna obscura a concepção antiga a respeito da notação e faz com que a altura da nota de referência de todas as transcrições pareça pelo menos uma terça menor mais alta (a [lá], transcrevendo ⊂ ⊂, ≈ 370 Hz, número 31 na tabela de West).

O sistema de notação instrumental provavelmente começou a partir de uma única escala, ou seja, a agora chamada de lídia, de acordo com Hagel (2020, p. 334): e e↑ f g a b b↑ c d e’. É possível que o uso de variações da letra N tenha sua origem na primeira letra do nome da nota nete. A forma básica N pode ter sido atribuída a uma nota instrumental mais alta comum a diferentes escalas. Um segundo conjunto de notas poderia abarcar a lídia, a hipofrígia e a hipolídia: e f# g a b c d e’ (onde encontramos a sequência intervalar T ST T T ST T T [T = tom e ST = semitom]). Esse arranjo de notas corresponde ao tom hipolídio diatônico.

No final, os sinais básicos formaram uma escala diatônica não porque foram concebidos como essa escala, mas porque os espaços das notas que estavam faltando foram preenchidos de acordo com as necessidades da modulação. Se considerarmos a possibilidade de que a modulação poderia acontecer procedendo através do ciclo de quintas, então seria exatamente isso que aconteceria quando uma escala diatônica é criada por passos em alternância de quintas e quartas.

O sistema de notação deve ter sido usado tanto para o gênero enarmônico quanto para o gênero diatônico desde muito cedo, antes que as escalas fossem mapeadas por músicos que defendiam uma visão diferente no que diz respeito à relação entre os dois tipos de música. Portanto, o sistema de notação provavelmente começou a ser usado antes de 400 a.C.

Esse sistema foi usado por mais de mil anos no mundo greco-romano, mas ele acabaria sendo esquecido e substituído por outros mais práticos e mais fáceis de serem compreendidos e ensinados. Contudo, como os estudos de Hagel demonstram, é muito importante tentar compreender a história e a evolução desse sistema, tendo em vista, inclusive, que o desenvolvimento do sistema de notação musical da Antiguidade Clássica tem uma íntima relação com a evolução da prática musical e mesmo com a teoria musical. Por isso, é tão relevante que mais atenção seja dada a essa parte dos estudos sobre a música na Antiguidade Clássica.

Tabela com os símbolos da notação musical alipiana.
Anexo 1
Tabela com os símbolos da notação musical alipiana.
West, 1992, p. 256.

Referências

BELLERMANN, Friedrich. Die Tonleitern und Musiknoten der Griechen. Berlin: Verlag von Albert Förstner, 1847.

HAGEL, Stefan. Ancient Greek Music. A New Technical History. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.

HAGEL, Stefan. Notation. In LYNCH, Tosca A. C.; ROCCONI, Eleonora (ed.). A Companion to Ancient Greek and Roman Music. Hoboken: Wiley Blackwell, 2020, p. 297-310.

JAN, Karl von. Musici Scriptores Graeci. Leipzig: Teubner, 1895.

MATHIESEN, Thomas. Apollo’s Lyre. Greek Music and Music Theory in Antiquity and the Middle Ages. Lincoln: University of Nebraska Press, 1999.

PÖHLMANN, Egert; WEST, Martin Litchfield. Documents of Ancient Greek Music. Oxford: Oxford University Press, 2001.

ROCHA, Roosevelt. Uma introdução à teoria musical na Antiguidade Clássica. Via Litterae, v. 1, p. 138-164, 2009. Disponível em: https://www.revista.ueg.br/index.php/vialitterae/article/view/4565/3128. Acesso em: 16 out. 2020.

WEST, Martin Litchfield. Ancient Greek music. Oxford: Clarendon, 1992.

Notas

1 A edição mais recente desses documentos foi preparada por Pöhlmann e West (2001). Daqui em diante essa obra será designada pela sigla DAGM. Cf. também Hagel, 2009, p. 256-326.
2 Esse texto pode ser consultado na edição de Jan (1895, p. 357-406), disponível em: https://archive.org/details/musiciscriptoresjank.
3 Cf. Mathiesen, 1999, p. 595.
4 Cf. Mathiesen, 1999, p. 596.
5 Sobre isso, cf. West, 1992, p. 266-9.
6 Cf. West, 1992, p. 262 e Hagel, 2009, p. 11-2.
7 Sobre isso, ver Bellermann (1847, p. 54-6) e West (1992, p. 273-6). Hagel (2009, p. 68-96) propõe uma nova interpretação para essa questão.
8 Sobre isso, ver Hagel, 2009, p. 44-52.
9 Cf. West, 1992, p. 259-63. Hagel (2009, p. 2, n. 6) afirma que isso é apenas uma hipótese.
10 Sobre isso, ver West, 1992, p. 263-5.
11 Cf. Hagel, 2020, p. 297.
12 Recomendo uma consulta à tabela elaborada por Hagel (2020, p. 301) para que se possa fazer uma comparação.
13 Sobre isso, cf. Rocha, 2009, p. 143-4.
14 Cf. Hagel, 2020, p. 301.
15 Cf. West, 1992, p. 262 e Hagel, 2009, p. 443-4.
16 Cf. Hagel, 2009, p. 41-6.
17 Para uma representação do ciclo das quintas, cf. Hagel, 2009, p. 14-5.
18 Sem alterações, ou seja, sem sustenidos nem bemóis.
19 O texto desse autor pode ser consultado em Jan, 1895, p. 283-316.
20 Cf. Hagel, 2020, p. 302.
21 Cf. West, 1992, p. 273-6 e Hagel, 2009, 68-75.
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